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Fanny está a caminho de Leipzig em um programa de intercâmbio. Ela fica perdida no aeroporto, condição que não se limita àquele instante. Sua timidez ao chegar é notável, presente em seu rosto que exala desconfiança e no encolhimento corporal. A protagonista escuta uma conversa atrás da parede e se esconde no seu quarto escuro. Lena é ríspida, fala com a mãe em alemão durante o café, deixando claro que não quer receber ninguém. Ela é direta a ponto de pedir para Fanny ir embora, no entanto, após a francesa expor sua atual situação, que vai de problemas familiares a uma tentativa de suicídio, Lena decide dar uma chance.

França e Alemanha já rivalizaram em importantes batalhas e o filme de Claire Burger é um “Coming of Age” e uma carta de paz. Na flor da idade, a jovem alemã confunde posicionamento político com demonstração de força. Black Blocs são cool e ela é tão antenada a temas progressistas, de caráter libertário, que não faz ideia do que deseja fazer. Lena é, simultaneamente, o estereótipo feminista e uma adolescente relacionável. O roteiro poderia transformá-la numa figura insuportável, o que não é o caso. Ela se considera firme feito concreto, quando, na verdade, está prestes a se conhecer. Após discutir com sua mãe, Lena coloca os óculos escuros – não pode correr o risco de deixar algumas lágrimas escorrerem. A diretora pouco se intromete, dá espaço para as atrizes, no entanto, não poderia deixar de mencionar um detalhe sutil, bem no início, no qual a posição das personagens na mesa reflete perfeitamente suas sensações naquele momento – as garotas de frente, uma para a outra, e a mãe na cabeceira, moderando os diálogos.

A fragilidade de Fanny abre os olhos de Lena, que se permite sentir coisas além da habitual revolta. Ver a francesa escorada em paredes, chorando por não entender o que os outros falam e contando os dias para retornar desperta uma humanidade adormecida em seu peito. Lena sonha em mudar o mundo, mas tem medo de tudo – de sair de casa, do fascismo, do meio ambiente, de si…

Aos poucos, as garotas desenvolvem uma relação íntima, se tornando confidentes, o que é pontuado por Burger a partir de planos que revelam a proximidade dos corpos. O ativismo político é um fetiche normal à juventude, porém, como tudo nesse período, só faz sentido com uma companhia prazerosa. A cineasta não está interessada em formar um painel sobre a política atual, apenas usa o tema como pretexto para unir as personagens. Sexo e drogas também estão nesse pacote e, em uma cena que reforça a honestidade da obra e as excelentes interpretações, Fanny pede para a amiga lhe “arranjar” com um rapaz específico. O olhar de desejo e a maneira como ela vira de costas ao perceber que o garoto está analisando a proposta transmitem o nervosismo jovial com um realismo impressionante. A mãe de Lena é uma mulher melancólica que esbarra na depressão e no alcoolismo. Sua compulsão não chama atenção até o almoço em família, no qual ela, repentinamente, tem uma crise de raiva. Talvez seja a solidão, talvez a fuga do ex-marido; a verdade é que sua instabilidade respinga na filha. Lena, que optava pelo alemão para provocar a colega de intercâmbio, se vê falando francês sem perceber – uma delicada demonstração de afeto.

O laço criado é tão forte, que, assim que Fanny retorna à Strasbourg, uma elipse nos leva ao reencontro. Na escola, a protagonista sofre bullying e não reage. Os alunos franceses não são politizados, representam o extremo oposto de uma fase em que o equilíbrio é uma realidade distante. Fanny vive num liquidificador ambulante: a relação com os pais não é a melhor possível e sua solidão é avassaladora. Lena não é apenas um interesse romântico e um ouvido amigo, é a esperança de uma existência menos obscura e confusa. Fanny se mantém neutra, sem posicionamentos firmes, todavia, se sua amiga é uma feminista fervorosa, ela precisa adotar uma postura mais radical, quem sabe inventar uma “mentira sincera”. A protagonista afirma que tem uma irmã ativista, perdida por aí. Essa busca ressalta, no fim, sua insegurança – não acredita ser interessante o bastante para “segurar” Lena. A alemã, consciente da situação, não condena Fanny, a conduzindo a um momento mágico e romântico – a empatia supera o ímpeto político. Se Lena havia adotado o francês anteriormente, agora era a vez de Fanny se declarar na língua de sua “salvadora”.

No metrô, a caminho da festa, as barras de apoio, presentes no fundo do quadro, formam um coração – uma confirmação do cuidado da realizadora. Em uma visita ao Parlamento Europeu, onde a mãe da protagonista trabalha, elas passam por uma escada que simboliza a união entre Alemanha e França…

O azul, predominante na fotografia, é a cor do figurino das duas na despedida, marcando a intensa relação entre seres diferentes e vulneráveis. Burger estabelece um discurso harmonioso, desprezando a xenofobia, abraçando a compaixão e a complexidade adolescente.

A trilha sonora eletrônica é um complemento importante na composição de um universo jovial, repleto de incertezas e experiências. O filme ainda é engraçado sem qualquer esforço; as risadas advêm de situações casuais, entre familiares.

“Langue étrangère” é uma obra coerente do início ao fim.

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