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A maioria dos filmes de horror segue uma cartilha similar. É fascinante assistir uma obra como “The Others”, que se afasta de truques baratos e investe em elementos particulares para arrepiar o espectador.
A névoa, a escuridão e as sombras servem para criar uma atmosfera assombrosa e inquietante, no entanto, vão além.

Nos acostumamos tanto com a tonalidade fria, que, ao nos depararmos com um quarto iluminado, ficamos incomodados. O casarão é, por uma série de motivos, desde sua a arquitetura à natureza soturna, um ambiente pouco convidativo; ainda assim, quando a protagonista finalmente sai para um “passeio”, tememos por sua segurança. Portas trancadas são um símbolo definitivo para a claustrofobia e o filme não se divorcia dessa sensação; dito isso, graças a questões bem amarradas pelo texto, a apreensão maior surge quando elas estão abertas.

Eu não me lembro de ficar aterrorizado pela falta de cortinas.

A abordagem do cineasta Alejandro Amenábar conversa com tais peculiaridades, fugindo do padrão estabelecido por Hollywood para o gênero. Sua narrativa sóbria e envolvente não se vale de jump scares e sustos, mas de lentos travellings e panorâmicas reveladoras. Sua câmera observa, fomenta uma intensa angústia a partir de close ups e não se intromete muito. Claro, há momentos em que uma movimentação mais intensa e cortes abruptos são necessários, mas estes são recursos, não muletas.

A trilha sonora evoca tensão e se adequa às convenções do horror, porém não clama por atenção, sendo inserida em situações oportunas.

“The Others” é um filme atmosférico que funciona graças aos brilhantes trabalhos de fotografia e design de produção, uma direção que valoriza o silêncio e interpretações impecáveis.

Na trama, Grace e seus dois filhos, Nicholas e Anne, vivem numa afastada mansão. Charles, seu marido, está servindo o exército inglês na Segunda Guerra Mundial e ela procura por novos criados. A protagonista é uma católica fervorosa e impõe sua fé na educação dos filhos que, ao rirem ou duvidarem de alguma passagem bíblica, são punidos. Anne escuta barulhos e diz que um garoto chamado Victor está na casa. Em determinado momento, Grace questiona o orgulho humano, o que denota uma certa hipocrisia, afinal, ela sente as presenças ocultas e prefere mentir para si, numa tentativa de manter sua fé intacta.

Esse é o principal questionamento abordado pelo roteiro. Até que ponto a religião é capaz de cegar as pessoas, as transformando em meros fantoches com passagens sagradas e sermões decorados. Quando Mrs. Mills, a nova empregada, afirma que o mundo dos mortos pode se misturar com o dos vivos, Grace retruca: “Isso é impossível. O Senhor jamais permitiria tal aberração”. Por outro lado, a protagonista é uma mãe extremamente amorosa, cujas falhas advém de uma genuína tentativa de ajudar. Seu pedido de desculpas para Anne é acompanhado por olhos marejados e perdidos. Grace, gradativamente, admite que existem fantasmas em sua casa, passa a questionar a própria fé e a sentir medo.

Amenábar é hábil ao inserir um subtexto anti-guerra. No jantar, Nicholas questiona a ausência do pai: “ninguém fez nada de mal contra nós”. Grace, sem graça, responde da forma mais genérica possível.
A não ser numa situação tensa ou acalorada, os personagens falam num tom baixo, o que vai ao encontro de toda a atmosfera idealizada por Amenábar. O roteiro encontra uma brecha crível e criativa para o show de sombras e escuridão na casa: Anne e Nicholas são fotossensíveis, ou seja, a exposição de luz gera bolhas e falta de ar.

Mrs. Mills, que chega na mansão acompanhada de seus familiares, é a personagem mais intrigante do filme. A princípio, acolhedora e prestativa, ela se torna, aos poucos, uma figura ambígua. A empregada sabe de algo, esconde mistérios e pretende revelá-los na ocasião ideal. Mills é necessária ou uma ameaça? Seu intuito é atormentar ou ajudar? Ficamos em dúvida até o ato final, que reserva um dos plot twists mais perversos e melancólicos de todos os tempos – mesmo sendo possível de prever.
Amenábar não pensa somente na surpresa, mas em todas as sutilezas que havia trabalhado até então. Frases “inocentes” ganham outra conotação, assim como a religiosidade de Grace, que é inteiramente justificada.

Nem quando as cartas são postas na mesa ficamos tranquilos, passamos a ver o horror por outra ótica, ainda mais ampla. O último plano da família é, simultaneamente, reconfortante e perturbador.
O melhor exemplo da autenticidade de “The Others”, por mais que tenha um plot twist e se passe numa “casa fantasma”, está em sua cena mais assustadora. O cineasta espanhol foge de obviedades, focando no plano-detalhe de uma mão misteriosa e no olhar estarrecido de Grace – sem falar na musiquinha infantil. Essa sequência genial, inclusive, foi parodiada em “Todo Mundo Em Pânico 3”.

Sem as performances magistrais de Nicole Kidman e Fionnula Flanagan o filme não seria eficiente. Precisamos acreditar em suas motivações, aflições e personalidades, caso contrário, além de desinteressante, o mistério seria facilmente desvendado. Se Kidman é a alma da obra, Flanagan é uma exótica mistura de condimentos.

O elenco infantil, composto por Alakina Mann e James Bentley, também merece elogios. Anne é destemida e esperta, enquanto Nicholas exala medo e desconfiança.

Essa é uma crítica complicada de se escrever; todo cuidado é pouco, muitos detalhes devem ser omitidos, mas o conteúdo central não pode ser esquecido. Pensando bem, considerando que o filme foi lançado em 2001… brincadeira.

“The Others” é uma obra prima, um marco para o horror neste século.

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