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Após a morte do filho, um casal decide passar um tempo em alto mar. Rae estava no acidente fatal, se feriu gravemente e carrega uma enorme culpa nas costas. John acredita que a pureza do mar e a distância dos dilemas urbanos farão bem a esposa. Passados trinta e dois dias, podemos constatar que o brilho do sol e os mergulhos no oceano Pacífico ajudaram Rae a virar a chave. Repentinamente, surge um estranho dizendo que seu barco está prestes a afundar e que as outras cinco pessoas que estavam com ele morreram de botulismo. O plongée e a sombra fragilizam Hughie, encolhido em um canto, e é exatamente essa a impressão que ele deseja passar. O interior do barco, até então, não havia sido explorado e a madeira avermelhada diz muito sobre a situação que o casal terá que enfrentar. John não confia em Hughie e decide conferir o tal barco, repleto de cadáveres, muito provavelmente, vítimas de seu “hóspede”. Alguns filmes dependem de decisões duvidosas para prosseguirem e a opção de John de deixar a esposa sozinha com um sujeito de índole duvidosa não me parece a mais inteligente.

No entanto, é a distância entre os dois e os núcleos estabelecidos pelo diretor Phillip Noyce que elevam o suspense a um outro patamar. De um lado, Rae terá que entrar no jogo de Hughie para sobreviver, do outro, John precisa lutar contra o tempo para não morrer afogado. No início, os planos abertos que retratavam a natureza como algo extraordinariamente belo salientavam o intuito da viagem; quando a nova situação se define, Noyce utiliza close ups e foge de espaços abertos, a fim de criar uma atmosfera tensa e inquietante. De certa forma, essa é a história de uma mulher que confronta o luto e que precisa se superar para controlar um maníaco e sobreviver.

A princípio, frágil, Rae, gradativamente, se transforma numa personagem cerebral e forte. Hughie quer ser seu amigo, quer levá-la para longe de John e construir uma vida junto da moça. Sem sucesso em seus confrontos, ela se adequa às regras de Hughie, apelando para a sensualidade. Seu esforço é tão convincente, que o temido maníaco passa a demonstrar ingenuidade. O auge da urgência da protagonista e da tranquilidade de Hughie é brilhantemente exposta numa sequência em que ela, em primeiro plano, procura um sedativo para colocar na bebida, enquanto ele, no fundo, escolhe a música perfeita para o clima romântico.

Praticamente todas as cenas em “Dead Calm” servem para preparar o terreno para o que vem adiante. Rae pega uma arma e a esconde, o que, por si, pouco importa, ficamos apenas esperando o momento em que o objeto será encontrado por Hughie, dando início a um embate. Sabemos que, mais cedo ou mais tarde, o casal se reencontrará e Noyce, apesar de trabalhar com um material previsível, merece elogios por manter a tensão.

As conversas sigilosas que Rae mantém com John pelo rádio e o plano-detalhe do radar ratificam a qualidade da direção do cineasta australiano, que fomenta uma claustrofobia palpável. O barco no qual o marido se encontra é caótico, repleto de sangue e detalhes degenerados, conversando diretamente com a personalidade do maníaco. Quanto mais a água sobe, menor o espaço fica, maior a escuridão e a agonia, já que suas forças lentamente se esvaem. Em determinado momento, John fica preso na sala de máquinas, com metade do corpo submerso. A forma como ele se move, buscando objetos para arrombar a porta e o estado do local são suficientemente aterrorizantes.

A tempestade é simbólica, vai ao encontro do que acontece no barco de Rae, que luta bravamente com Hughie. A trilha sonora sombria é fundamental na construção da atmosfera. Outra sequência que reforça o interesse de Noyce pelo o que vem a seguir é aquela em que a montagem paralela apresenta diferentes ações: John se liberta, Rae está a caminho do marido e Hughie tenta se desamarrar. Essa opção nos leva a crer que outro embate ocorrerá.

Ainda que peque pela falta de lógica e por ter um antagonista pouco ameaçador, que beira o risível, “Dead Calm” não deixa de ser eficiente em sua proposta simples. Rae é bem interpretada por Nicole Kidman, em seu primeiro papel de destaque. A atriz combina fragilidade, inteligência, urgência e sensualidade com precisão, tornando o arco da protagonista crível e poderoso. O contra-plongée é definitivo, a coloca numa posição de imponência.

A sequência que marca o aguardado reencontro é uma das mais fascinantes do filme, justamente por compreender a importância do silêncio e do contato corporal, evitando diálogos – o alívio pelo fim do horror.

O roteiro surpreende o espectador com uma reviravolta oportuna. Não direi o que acontece, apenas que as decisões de Noyce e sua sutil movimentação de câmera instauram um nervosismo mais potente do que o que havíamos presenciado anteriormente.

Em seu desfecho, não ficamos aliviados, mas impactados com o que assistimos, com o inesperado.

A fotografia vai do calor refrescante a tons acinzentados e a escuridão absoluta, funcionando como um elemento indicativo, capaz de guiar o espectador.

“Dead Calm” está longe de ser uma obra prima. Todavia, é inegavelmente divertido, tenso e angustiante. 

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