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“Des Teufels Bad” inicia com a cena de uma mãe escolhendo minuciosamente o lugar onde assassinará seu bebê. Ela o atira do topo de uma cachoeira e se confessa para o padre. A enorme névoa simboliza o pecado, a punição e a “presença maligna” que tem afetado as mulheres daquela aldeia austríaca.

Espertamente, o montador corta para o plano de uma jovem em meio a natureza radiante. As frutas e a tonalidade clara precedem o casamento de Agnes e Wolf. As pessoas dançam e festejam em plena harmonia, o que não se sustenta por muito tempo, já que, na noite nupcial, o marido, em vez de se relacionar com Agnes, se masturba silenciosamente. A protagonista quer apenas ser uma boa mãe e esposa. Sua fervorosa crença religiosa não lhe permite opções: as mulheres têm suas funções pré-estabelecidas, aprendendo, desde cedo, a aceitarem uma existência submissa e opressiva. A rejeição sexual de Wolf evidencia sua insegurança, ressaltada através das longas caminhadas pela floresta labiríntica, de enquadramentos nos quais a vemos de costas na escuridão e do constante ato de falar consigo mesma. A câmera acompanha seu rosto, sempre aflito e ansioso. Agnes é pura, se encanta com o “cantar das árvores” e com uma simples presilha. Não existem rastros de maldade em sua personalidade doce e frágil, adoecida pelo pragmatismo de uma região arcaica. A direção de arte e a fotografia trabalham em conjunto para acentuar a tortura psicológica da protagonista. Os ambientes ficam cada vez menores, os tons ganham em peso e frieza no decorrer da trama e a névoa retorna, ainda mais intensa, estabelecendo um paralelo entre a mulher do início e Agnes.

Ela passa a maior parte do tempo rezando, se culpando por algo que não tem controle. A culpa não é sua se seu marido é um sujeito passivo e desinteressante. Os plongées marcam essa relação fria e destrutiva, se confundindo com a adoração da protagonista por Deus. Em determinado momento, o mesmo ângulo apresenta somente Agnes na cama – dessa forma, os cineastas conduzem a jovem ao seu fim. Ela é inquieta, está sempre raciocinando, buscando uma adoração que se transforma em desconfiança. Esse não é um filme de respostas óbvias, o horror está na corporalidade e na psique da protagonista, que não se perdoa por não conseguir seguir o “caminho natural” das coisas. Logo, as chamas na frente dela, intercaladas com a imagem de peixes mortos, são mais do que chamativas, constituem uma trajetória ao abismo. A presença do sangue é esporádica, sutil e igualmente reveladora. Outra sequência, aparentemente descartável, que se prova fundamental em seu arco é aquela em que Agnes se distancia consideravelmente de suas colegas durante o trabalho – a câmera vai no ritmo da moça. A igreja surpreende pela ausência de cores e objetos, sendo, na verdade, um antro do pessimismo, da corrosão de mentes presas a uma perigosa irrealidade. Os planos em que Agnes observa algo discretamente pela janela e aquele no qual vemos um diálogo pela fresta de uma porta salientam a sensação de claustrofobia – a perda da esperança e da sanidade. A protagonista, radiante e animada no início, vira uma espécie de zumbi. Sua palidez impressiona, assim como a dificuldade que tem em dizer algo minimamente compreensível. Sua doença é a crença exagerada e a incapacidade de enxergar na mulher a possibilidade de assumir individualidades e desejos. A atmosfera concebida é nebulosa e carregada de desesperança, indo dos sombrios espaços abertos aos mórbidos ambientes internos e a magnífica trilha sonora, responsável por nos tirar da zona de conforto.

Veronika Franz e Severin Fiala – os realizadores – amarram as pontas ao filmarem a cruz católica de cabeça para baixo. Sabemos que Agnes fará algo, que busca uma punição severa. A imagem dela segurando uma boneca de cera que se derrete em suas mãos vai ao encontro da proposta dos cineastas. Da mesma maneira, não podemos ignorar o fato de a protagonista literalmente engolir uma borboleta, afinal, em sua introdução, brincava com os insetos – a destruição da natureza em si e da natureza humana segundo a pequena e estranha aldeia austríaca. Estamos falando de um lugar em que receber um dedo como presente de casamento é um bom sinal. O roteiro não se concentra nos demais personagens, o que torna a derrocada de Agnes mais perturbadora e angustiante. Todavia, no fim, que, por sinal, lembra ligeiramente o de “Dancer In The Dark”, de Lars von Trier, Franz e Fiala escancaram toda a animosidade daquelas pessoas. Eles não focam na violência física, mas no que certas brutalidades significam, potencializando o horror – uma é especialmente desconfortável por seu caráter surpreendente e pelos gritos de socorro. No confessionário, os diretores utilizam um plongée, simulando um diálogo entre Agnes e Deus – um acerto de contas.

Anja Plaschg oferece uma performance grandiosa e empática, transitando perfeitamente entre a pureza intrínseca à personagem, sua inquietação, o estado vegetativo e a insanidade completa.

“Des Teufels Bad” é mais um dos excelentes filmes de terror lançados nos últimos anos.

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