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Na Alemanha, pós Segunda Guerra Mundial, ocupada pelas forças aliadas, o Capitão francês Henri Rochard vive a expectativa de ser dispensado e voltar a ser um civil. Em sua última missão, ele será acompanhado pela Tenente americana Catherine Gates.

Os dois não se bicam, vivem num eterno e infantil confronto. O desconforto não incomoda, pelo contrário, é um verdadeiro deleite. Quando o protagonista afirma que a considera repugnante, rimos. Nesse sentido, a Alemanha em frangalhos – belo trabalho de reconstituição de época por parte da direção de arte – e a trilha sonora inicial, constituída por uma “marcha cômica”, se encaixam perfeitamente no tom proposto por Howard Hawks.

Rochard e Gates se implicam por praticamente cinquenta minutos, com direito a sequências icônicas. O Capitão a insulta de diversas formas, no entanto, sente ciúmes ao perceber que um colega a convida para jantar. Sabemos que eles ficarão juntos e apenas esperamos pelos atalhos que o roteiro encontrará para os enlaçar. Sarcasmo e mal humor ditam a trajetória dos oficiais, que se veem obrigados a atravessar um rio com uma canoa.

A cachoeira é enorme e as estripulias que precisam realizar para seguirem intactos são uma forma eficiente de estabelecer um vínculo entre os dois. O filme não esperneia por risadas, o simples motivo de Rochard ficar minutos em cima de um poste, tentando entender o que está escrito na placa para, no fim, se deparar com um simples “tinta fresca”, é engraçadíssimo e o mesmo vale para diversas outras cenas.

Gates sente dor nas costas de tanto dirigir e o Capitão se disponibiliza para passar um creme milagroso em seu corpo. A moça tem dúvidas em relação à índole de Rochard e demora a relaxar totalmente. O close up e a forte luz em seu rosto evidenciam uma tranquilidade desconhecida até então e ele, como um bom cavalheiro, se dirige à porta de saída assim que ela dorme. Todavia, a maçaneta cai, o obrigando a lá pernoitar, naturalmente numa cadeira desconfortável.

O protagonista se ajeita calmamente, sem alarde, somente para esticar as costas, mas Gates acorda e imagina o plano malicioso por parte do parceiro. O roteiro entende que mal-entendidos dessa natureza são fundamentais para a progressão da trama e o desenvolvimento da relação. Rochard é o maior alvo de tal artifício, sofrendo hilárias consequências. Essa mudança de perspectiva, alcançada a partir de situações pontuais e bem articuladas, se mostra essencial para que os personagens possam olhar para o outro sem remorso de seus próprios sentimentos.

Dessa forma, com pequenas provas de que são “melhores do que aparentam” e demonstrações de afeto, o interesse romântico se intensifica. Claro, antes que todas as arestas sejam aparadas e que as desavenças desapareçam, Rochard não perde a chance de atacar. Ao ser perguntado sobre um desejo pessoal, ele é firme: “nunca mais ver você de novo enquanto eu viver”.

O primeiro passo de Gates em busca de paz e de uma certa espiritualidade é admitir que trabalhar ao lado do protagonista é inegavelmente divertido. A fotografia em tons mais claros anuncia que as coisas estão mudando e é, após uma das sequências mais engraçadas que Hawks já dirigiu, que o roteiro insere um “outro complicador”. Sonado, Rochard aguarda por Gates na moto e acaba sendo vítima de uma pegadinha.

O veículo dispara ladeira abaixo e ele, sem ideia do perigo que está correndo, finalmente se declara para a Tenente. O amor entalado em suas gargantas é consumado numa espécie de ninho – um símbolo de harmonia e aconchego.

Na cena seguinte, os dois, de volta ao quartel, anunciam que vão se casar. Eles assinam a papelada e passam por três cerimônias diferentes. As fusões e os planos-detalhe evidenciam o vazio das inúmeras burocracias. Na noite de núpcias, Gates é informada de que retornará aos Estados Unidos e Rochard de que não pode tirar um visto para viajar. O roteiro, além de expor uma xenofobia velada por parte dos oficiais, brinca com o sistema falho, repleto de buracos.

Para acompanhar Gates, o Capitão se vale de uma lei que apoia as “noivas de Guerra”, ou seja, as esposas de soldados americanos – daí vem o título. A reação de Cary Grant ao escutar a ideia do advogado é uma verdadeira aula de comicidade. Ele se espanta, ri da situação, se dá conta de que não é uma piada e começa a balbuciar, como se estivesse raciocinando. Sua entrevista para validar o visto é a demonstração máxima de que o sarcasmo não é uma arte para qualquer intérprete.

O texto permite que Grant explore todo o seu maravilhoso cinismo e o ápice talvez esteja naquela cena em que uma mulher pergunta se a razão pelo choro de seu bebê é a sede. “Eu não poderia saber, senhora. Quando eu quero água, eu tenho uma maneira diferente de pedir”. Por motivos óbvios, Rochard não é bem-vindo nos dormitórios das “noivas de Guerra” e não é aceito nos alojamentos dos oficiais americanos.

Desde o início, notamos que o protagonista não tem uma noite razoável de sono e o roteiro, inteligentemente, passa a tratar isso como uma piada, servindo também para potencializar o desfecho, fazendo com o que o espectador torça para que os dois fiquem logo juntos. “Já sei. Você não pode dormir aqui”.

O último toque de loucura cômica de Hawks é revelado através de uma elegante fusão, que nos leva do rabo de um cavalo para o rosto de Rochard, coberto pelo rabo, servindo como disfarce para que ele entre no navio sem maiores confusões. “Henri, lembre-se, você é uma senhora”.

As surpresas só param quando a porta é trancada e a chave é atirada no oceano.

Cary Grant está em sua zona de conforto e oferece uma performance magnética, repleta de cinismo, charme e um timing impecável. Sua química com Ann Sheridan, que também merece elogios, é notável, sem dúvida alguma, um dos principais fatores pelo êxito do filme.

Howard Hawks dirigiu algumas obras primas e “I Was A Male War Bride” é uma de suas pérolas mais subestimadas.

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