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A experiência numa sala de cinema é sempre diferente. Quando me acomodei na poltrona e comecei a escutar gritos e ver jovens perambulando, pensei em levantar e ir embora. Acabei ficando e, por mais esperançoso que estivesse em relação a “Wonka”, não imaginei que seria um clássico instantâneo. O péssimo comportamento das crianças foi se esvaindo na medida em que me sentia transportado àquele universo fantasioso e contagiante.

Há quem diga que o filme falhe em ignorar a personalidade sombria do protagonista, subentendida nas adaptações anteriores. A única obrigação do cineasta é acreditar em suas convicções e realizar algo rico. O jovem Willy Wonka nunca havia sido explorado, logo, é mais do que justa a abordagem de Paul King. O erro está naqueles que embarcam na jornada aguardando algo. O papel do crítico é analisar, não prever ou julgar um filme pelo que foi feito no passado.

Na trama, Wonka chega a uma cidade fictícia com o sonho de apresentar seu incrível chocolate ao mundo. Sua euforia é freada pelos donos das principais lojas – propositalmente caricatos e unidimensionais -, que formam um ilegal cartel e fazem de tudo para exterminar o prodígio. Sem ter onde dormir, o protagonista vai a uma pensão, onde é trancafiado e tratado como escravo. Lá, ele encontra vítimas do mesmo golpe, entre elas, Noodle, uma órfã que se torna sua grande parceira. Juntos, os dois enfrentam esse corrompido sistema e fazem o possível – e o impossível – para levarem os chocolates de Wonka às massas.

O protagonista é ingênuo, inocente e puro, acredita na bondade alheia e que atingirá o esperado sucesso rapidamente. A primeira grande sacada do roteiro é colocar Wonka em contato com o mundo real, comandado por interesseiros e gananciosos. Prédios decadentes e ruas vazias, dominadas pela neve e por tons frios, simbolizam essa quebra de expectativa, os inesperados socos que o protagonista toma em sua trajetória. O homem não lhe oferece um quarto por empatia, seus rivais não o elogiam ou visam uma parceria. A exploração é constante, a competição é inexistente, o chefe do departamento policial acoberta os crimes e a igreja é corrupta.

Não há vida naquela cidade, as pessoas parecem desestimuladas e melancólicas, o cotidiano é exaustivo e crianças, como Noodle, já “caem” na terra desesperançosas. Wonka é uma espécie de herói, um jovem iletrado e otimista que anima corpos desacordados, dando sentido a existências vazias com o seu chocolate.

Paul King, entendendo a essência do icônico personagem, opta por uma abordagem musical, levando o espectador para um universo mágico e irresistível. A direção de arte e a fotografia trabalham a todo instante com contrastes – a sujeira dos injustos x o caráter sonhador do protagonista.

A cena que melhor explora isso é aquela em que Wonka e seus colegas dão vida a um terreno inóspito, o transformando, num estalo, em uma loja colorida e elaborada. A ação dos rivais leva o estabelecimento aos frangalhos, marcado pelo fogo e pela absoluta destruição, reforçada por ângulos holandeses – uma das marcas de King.

Visualmente, esta é a obra mais vibrante e ambiciosa do ano. Os variados chocolates e a caixa “misteriosa” são detalhes importantes. Os cenários fazem jus à personalidade acolhedora de Wonka; as cores vivas, os magníficos efeitos visuais e a arquitetura lúdica são potencializados por sequências musicais inventivas e marcantes. Os atores não dançam como Fred Astaire, mas “voam” ao som de excelentes canções, importantíssimas para o andamento da trama.

“For a Moment”, por exemplo, reforça o poder da energia de Wonka sobre Noodle, que, pela primeira vez, admite estar feliz. A imagem dos dois sobrevoando a cidade segurando balões é, possivelmente, a mais especial do filme.

A famosa “Pure Imagination” é utilizada num momento que equilibra perfeitamente o vigor do espetáculo e a sensibilidade do texto, que reserva boas coisas aos seus personagens. A criação da fábrica é espetacular, Willy Wonka é um dos poucos personagens que nos faz sentir algo, simultaneamente, sobrenatural e real. Se o chocolate dos antagonistas representa um vício danoso – o aspecto físico do policial é autoexplicativo -, o de Wonka é uma metáfora para a união e a felicidade em seu estado mais genuíno; sua cartola, para a escassa pureza humana; a fábrica, para a concretização dos sonhos, seja lá qual for.

Sua vitória quebra o gelo que se estendia pela cidade, dando espaço a rostos radiantes. Paul King movimenta sua câmera com absoluta fluidez – seus travellings e panorâmicas são tão lúdicos quanto a direção de arte. Os plongées ressaltam a grandiosidade da imaginação de Wonka e os maus tratos aos quais ele e Noodle são submetidos. A mesma ideia de contraste serve para os close ups, que revelam um otimismo revigorante e colocam o protagonista contra a parede, por exemplo, na cena em que o cartel o chantageia. A montagem acompanha a concepção do cineasta, dando gás e um ritmo enérgico ao filme.

King concilia brilhantemente aventura, drama, humor e musical, exibindo um vasto domínio perante a linguagem cinematográfica.

O último toque mágico está na escolha de Timothée Chalamet para interpretar o protagonista. Além de cantar muitíssimo bem, o ator é uma máquina de carisma, capaz de arrancar sorrisos do espectador sem o menor esforço. Seu Willy Wonka é espirituoso, doce, encantador, sensível e criativo. No fundo, Chalamet é a direção de arte, a câmera… tudo. Ele é o fio que conduz, ilumina e faz de “Wonka” uma obra, genuinamente, adorável. Sua performance é, muito provavelmente, a minha favorita do ano. Sim, Chalamet superou Gene Wilder e Johnny Depp.

Eu não poderia deixar de elogiar Hugh Grant, que dá vida ao Oompa-Loompa com o seu habitual humor inglês e competência.

“Wonka” é o filme mais caloroso, refrescante, esperançoso, divertido e extravagante do ano.

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