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Em uma cidade no norte da Itália, os Perlman recebem Oliver, um americano estudante de arqueologia. O anfitrião é Samuel, mas é Elio, filho do professor, quem estabelece uma interessante relação com o convidado.

A fotografia em tons quentes, os planos gerais que captam as belas paisagens e os figurinos leves são pontos fundamentais na abordagem do cineasta Luca Guadagnino. O calor e os espaços abertos remetem a sensualidade, prazeres primitivos e a liberdade. Eles raramente dirigem carros, optam por bicicletas, seus corpos ficam à vista e suas roupas balançam. Na primeira metade, somos introduzidos a esses personagens, que se olham discretamente, se tocam insinuando algo e se implicam como jovens secretamente apaixonados.

Elio poderia tocar a música pedida por Oliver, mas prefere adaptá-la, com o intuito de provocá-lo. Ele cheira o short do hóspede, o observa de longe e segura seu órgão genital. A princípio, o protagonista parece um adolescente confiante e bem resolvido, afinal, tem uma namorada e amigos que o convidam para todo o tipo de diversão. Gradativamente, Elio demonstra ser uma figura insegura, introspectiva e observadora, o que fica evidente em seu tom de voz sussurrante e postura curvada, que denotam vulnerabilidade.

Ele ainda está no processo de autoconhecimento. Gosta de dormir com Marzia, mas é pego de surpresa ao se deparar com Oliver. Seu comportamento ríspido e pouco gentil é um sintoma de seu incômodo, da sensação de não ter controle sobre si. Suas reações físicas e emocionais perante o convidado são uma novidade – misturam paixão, desejo e raiva.

Em determinado momento, sua mãe lê um conto no qual a grande questão define a obra: é melhor morrer ou falar? Com o seu jeito delicado e misterioso, Elio se abre para Oliver, que, para a surpresa do protagonista e do espectador, se mostra um sujeito muito mais frágil do que imaginávamos. Sua imponência física e vocal fomentaram a imagem de um homem que sabe exatamente o que está fazendo, que não tem dúvidas em relação aos seus sentimentos e que está ali para trabalhar e se divertir.

Guadagnino, invariavelmente, posiciona os dois distantes no mesmo quadro, reforçando o medo de falar e a tensão sexual. O fato do foco variar entre o personagem que está na frente e o que está no fundo vai ao encontro da personalidade deles, que retêm suas emoções.

Quando finalmente se expõem e ficam juntos, Oliver demonstra medo, diz querer fazer a coisa certa. O roteiro não foca no possível preconceito, presente apenas no consciente dos dois, que, a todo instante, relembram que não estão cometendo nenhum crime.

O que seria de Elio e Oliver se não falassem? Morreriam?

A considerável diferença etária confere uma complexidade maior à trama. O protagonista vive o dilema do primeiro amor e da sexualidade, tem dúvidas se deve embarcar nessa aventura ou se ater a sua suposta estabilidade. Tudo o que Elio experimenta é maior, potencializado por sua inexperiência e inocência. Ele não enxerga o fim, somente a excitação da novidade. A cena que melhor caracteriza a sua fase é aquela em que faz um “teste” com um pêssego. Minutos depois, Oliver aparece vorazmente, no entanto, o protagonista só quer abraçá-lo, sentir o corpo entrelaçado e chorar, admitindo que ainda não faz ideia de quem é.

Aos vinte e quatro anos, Oliver já se relacionou com diferentes pessoas e se apresenta como heterossexual – pelo menos é o que os demais pensam. Ele provavelmente nunca falou, deve ter se apaixonado, todavia, se viu preso a amarras sociais. Diferentemente de Elio, Oliver sabe quem é, sendo esse o motivo de sua secreta e profunda melancolia. O arqueólogo não abusa ou explora o protagonista, o amor é recíproco e a química é inegável – evidente nos planos detalhes dos pés e das mãos se entrelaçando.

A interpretação de Armie Hammer é perfeita, iniciando com firmeza e educação, partindo, gradualmente, para uma tocante vulnerabilidade, até chegar no momento em que o vemos por inteiro, como gostaria de ser sempre. Em Bergamo, sozinho com Elio, ele dança despreocupadamente na rua e o beija com muito vigor, vislumbrando, finalmente, a felicidade em seu estado puro e genuíno, sem a incômoda âncora em seu tornozelo. Oliver conhece os percalços da vida, enxerga uma oportunidade e não pretende desperdiçá-la. Ele não pretende magoar Elio, mas tem noção de que se trata de um romance de verão – inesquecível e breve. É essa desoladora situação que o protagonista terá que enfrentar: a dor da finitude e a difícil escolha, lida por sua mãe no início. Ele irá falar ou morrer; seguir em frente ou fingir que está tudo bem. Oliver não tem forças, nunca teve apoio dos familiares e assume uma existência baseada na aparência.

Guadagnino controla brilhantemente o ritmo do filme, dá espaço para o desenvolvimento de seus personagens e os respeita. Sua câmera observa Elio, disseca suas curiosidades e ímpetos, salienta sua solidão e extrema inquietude. São sequências silenciosas; profundas e delicadas em suas composições e entendimento acerca das dificuldades enfrentadas por adolescentes. A relação entre o protagonista e Oliver é cuidadosamente trabalhada, através da proximidade dos corpos nos quadros. Não darei muitos detalhes, no entanto, há um momento no qual o hóspede define um horário para eles se encontrarem e Guadagnino, emulando a tensão de Elio, valoriza a presença do relógio. A baixa profundidade de campo é um artifício utilizado de forma recorrente pelo cineasta e serve para compreender a psique dos personagens, principalmente de Elio, que, por mais cercado que esteja, só consegue pensar em uma pessoa. Quando transam pela primeira vez, Guadagnino movimenta sutilmente sua câmera em direção às árvores na janela, salientando a beleza e a naturalidade do ato.

A exuberante fotografia altera sua vibrante paleta de cores nas cenas mais íntimas, que ressaltam a vulnerabilidade dos personagens. Os tons azulados adicionam uma melancolia romântica poderosa ao filme.

A direção de arte é riquíssima em detalhes, a começar pela bela casa dos Perlman. Os momentos mais intensos e significativos ocorrem num depósito empoeirado e decadente, onde ninguém vai, além de Elio e seus convidados – Oliver, Marzia e o pêssego. Aquele espaço assume a conotação de laboratório e de esconderijo para os seus maiores dilemas.

Samuel e seu hóspede trabalham muito com esculturas gregas, corpos impecáveis que se opõem à imperfeição humana, fadada ao envelhecimento e ao esquecimento. Falar é importante, o tempo corre e a deterioração é inevitável.

O pai do protagonista ainda nos presenteia com um monólogo memorável, esbanjando empatia, sensibilidade, honestidade e revelando muito sobre si. “Algo sempre me segurou”. O que eles tiveram é raro e Elio estava em boas mãos.

No fim, o que sobra são memórias de um amor passageiro e intenso – o longo close up do protagonista é definidor.

A delicada trilha sonora é um complemento maravilhoso.

Timothée Chalamet oferece uma das melhores performances da década passada, transmitindo insegurança, ingenuidade e os anseios que o circundam, os disfarçando com sua inteligência e cultura. Seu trabalho vocal e físico é impressionante. Jovem, Chalamet toca violão e piano; fala italiano, inglês e francês – uma verdadeira jóia.

“Call Me By Your Name” é visualmente extravagante e emocionalmente poderoso.

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