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Onze anos após ter dirigido o revolucionário “Red River”, Howard Hawks marcou de vez o seu nome entre os cineastas mais influentes do Western americano. “Rio Bravo” é mais simples, segue tradições clássicas do gênero e pode ser descrito como um “hangout movie”. São obras completamente diferentes e eu estaria mentindo se dissesse que preferi “Red River”.

Existe uma trama central, estabelecida na excepcional cena de abertura, que não conta com nenhum diálogo, apenas com gestos e ações suficientemente poderosas e bem apresentadas por Hawks para entendermos o papel de cada personagem. Cabisbaixo, Dude entra em um bar e as pessoas riem dele, que, pela fisicalidade, demonstra ser um homem perdido e bêbado. Joe Burdette atira uma moeda em um pote, humilhando Dude, que se abaixa para pegá-la. Eis que surge John Chance, o xerife da cidade, dando início a uma enorme confusão. O contra-plongée engrandece o líder de Rio Bravo – sabemos quem manda ali – e o fato de Dude estar no chão diz muito sobre sua desoladora situação. Joe acaba sendo preso por assassinato. Tudo parece sob controle, no entanto, são os poderosos que mandam no Oeste Selvagem, seja pela influência, seja pela riqueza, e Nathan, irmão de Joe, era um poderoso fazendeiro, capaz de qualquer coisa para subverter a lei e a ordem.

Chance tem ao seu lado, além de Dude, Stumpy, um senhor aleijado que adora contar piadas. A prisão é pequena, conversa com a chance que o trio tem contra Nathan e seus capangas, contratados para atormentar Rio Bravo e recuperar Joe. Hawks tem um cuidado elogiável em relação a construção e a manutenção da tensão, que, normalmente, culmina em memoráveis cenas de ação. O silêncio, os espaços vazios, as diferentes perspectivas impecavelmente controladas pela montagem e as sombras vão ao encontro de passos vagarosos e olhares atentos.

Em uma das melhores sequências, um sujeito contratado por Nathan mata Wheeler, amigo de Chance. A opção por enquadrá-lo de costas na escuridão é excelente, mantendo o anonimato. Dude sabe apenas que o assassino está com as botas sujas de lama, foi para o saloon dos Burdette e que muito provavelmente se feriu. Ele e o xerife revistam todos, até que Hawks muda o ângulo, apresentando o capanga escondido nas sombras. O detalhe genial é a gota de sangue que cai na cerveja, destacada através de um travelling insinuante em direção ao copo. Era a pista que Dude precisava para surpreender o criminoso e o restante, que o tratavam como um bêbado digno de pena.

O embate final, além de catártico, com direito a explosão, inicia com um plano aberto que ressalta a distância entre Nathan e Chance – física e moralmente. O trato é o seguinte: um homem pelo outro, Dude por Joe.

Esse lento trajeto, potencializado por cortes que indicam que algo irá acontecer, termina numa luta corpo a corpo entre os dois. Impossível não mencionar a trilha sonora, um complemento primordial para a efetividade da obra.

Assim como na maioria dos Westerns, as coisas estão invertidas em Rio Bravo. Não é o xerife quem domina a cidade, mas os homens de Burdette, que cercam e observam a delegacia, prestes a tomarem uma atitude. Esse clima enervante serve de contraponto para o que realmente interessa aqui: as interações e o arco dos personagens.

Dude era um delegado exemplar, rápido no gatilho, confiável e praticamente infalível. O amor bateu na sua porta e o levou para o México. Chance tentou avisá-lo sobre a índole da tal moça, mas nada mudaria sua cabeça, melhor dizendo, seu coração. O xerife estava certo. Dude retorna, agora conhecido como “Borrachón”, sempre sujo, vestindo trapos rasgados, um chapéu que simboliza sua decadência e com uma garrafa na mão. As mãos trêmulas são um sintoma de um homem que foi derrotado pelo amor, que não tem capacidade de se reerguer, é tratado como um lixo por todos e simplesmente aceita, sem forças para reagir.

Quando o filme começa, estamos diante de um Dude em busca de redenção, ainda envergonhado, mas tentando se redimir e correr atrás do tempo perdido. Ele se tornou sensível demais para o Velho Oeste, se desanima facilmente e Chance é o único que o compreende. O xerife não despreza sua fragilidade emocional e é firme com aqueles que zombam de seu estado, entretanto, tem noção de que homens incapazes de superar um trauma dificilmente sobreviverão em Rio Bravo. Dean Martin trabalha perfeitamente a psique de Dude, demonstrando uma genuína felicidade em momentos de redenção e uma expressão desesperançosa quando seus fantasmas voltam a atormentá-lo. Os close ups de Hawks revelam esse poderoso conflito interno e Martin compõe com maestria essa figura complexa, frágil, engraçada e durona. O próprio banho assume um importante simbolismo – está limpando os vestígios que o derrubaram.

“Um homem esquece. Nem quero mais beber”. Essas são palavras que sacramentam o arco de um delegado revigorado.

Chance, em contrapartida, assim como a esmagadora maioria dos personagens vividos por John Wayne, é um sujeito firme, preciso e determinado, que, sempre que está em cena, domina a tela por completo. Há de se enaltecer a rica e sensível composição de Wayne, que tira Chance da “zona comum”, o transformando num xerife empático, divertido e apaixonado. O cuidado que ele tem com Dude e com o manco Stumpy diz muito sobre o seu caráter, sendo fundamental também para o clima de camaradagem e descontração que dá um charme atemporal ao filme. Suas energias estão voltadas aos Burdette, todavia, Feathers, viúva de um apostador, aparece em seu caminho e mexe com seu adormecido coração. A química entre o casal é contagiante, repleta de afeto e discussões; amor e implicância. Chance não leva o menor jeito com mulheres, as reações de Wayne às investidas de Feathers são engraçadíssimas, salientam o seu talento, injustamente questionado por alguns. Por que ele demora a abraçar a moça? O trabalho? A experiência traumática de Dude? Em um território tão árido, xerifes não valorizam certos compromissos, se tornando clássicos turrões.

Feathers é a única pessoa que o desconcerta, o deixa sem palavras e confuso. Ele a apoia e ela, rapidamente, se apaixona. O sentimento é recíproco, contudo, enquanto a solitária donzela se declara exaustivamente, Chance só se abre no fim: “você seria presa”, que na cena tem o mesmo efeito de um “eu te amo”. O roteiro enche o filme de toques sutis e agradáveis de humor.

Na primeira vez em que Feathers expõe seus sentimentos para o xerife e ele acena positivamente, Hawks vai de close ups para um plano conjunto, colocando os dois no mesmo quadro – detalhe sutil, porém importantíssimo para a continuidade da história.

Ainda temos Colorado Ryan, protegido do falecido Wheeler, que decide se unir a Chance. Logo de cara, o xerife respeita a forte personalidade do jovem, que não afina para ninguém. A grande virada no arco de Colorado ocorre quando ele percebe que não pode se eximir de responsabilidades nem fugir do Velho Oeste. Se unir aos grupos certos é o melhor a se fazer e a sua preocupação com os demais no embate final marca sua trajetória. Ricky Nelson, que fazia muito sucesso com suas músicas na época, se sai muito bem, esbanjando carisma e talento para personificar o jovem Western – sério, destemido e inteligente.

Nelson e Dean são responsáveis pela melhor cena do filme, aquela em que cantam duas canções na prisão.

A fotografia trabalha bem os contrastes, mas são os figurinos que realmente se destacam, enfatizando a presença de Feathers com sua blusa dourada e as transformações de Chance, que troca a camisa vermelha por uma azul após passar a noite com a amada, e de Dude, que troca o farrapo por novas roupas.

“Rio Bravo” consegue a proeza de ser divertido, contagiante, tenso, violento, dinâmico, romântico e humano. Uma obra prima abrangente, que dá o devido valor a cada personagem e valoriza, acima de qualquer coisa, interações orgânicas, engraçadas e reveladoras.

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