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O início de “Rebel Without A Cause” nos leva a crer que estamos diante de um jovem problemático e mimado. Bêbado, Jim está na delegacia e age descontroladamente, no entanto, quando é acalmado pelo policial responsável por menores de idade, notamos que ele tem algo a dizer.

Seus pais são carinhosos e condescendentes. Acreditam que mudar de cidade é a solução para os problemas do filho, quando, na verdade, apenas diminui suas chances de se relacionar e aumenta a sua ansiedade. Jim se considera caótico, gostaria de fazer “a coisa certa” e se culpa pela natureza errante da família. A mãe controla o pai, que, aos olhos do protagonista, deveria ser o seu grande exemplo, no entanto, representa aquilo que ele mais odeia: covardia. Não no sentido brutal, mas pelo fato de se omitir em momentos importantes e de aceitar qualquer ordem.

Jim o ama, porém nunca obtém as respostas que gostaria, nem dialoga da forma que pai e filho deveriam. No primeiro dia na nova escola, o protagonista é acordado com um belo café da manhã e lanches variados para levar. Nada lhe falta, os personagens aqui são ricos ou de classe média alta. A rebeldia do título advém de dilemas internos e pessoais. Por que em vez de trocar de cidade, os pais não conversaram com o filho e tentaram entendê-lo profundamente, sem mimos ou reações extremas?

Jim sabe que em casa tem pessoas que o abraçam e não reclama do excesso de carinho, contudo, gostaria que fosse propriamente guiado e educado, encarando obstáculos e crises. Ao chegar na escola, fica nítida a sua vontade de ser adorado por seus “semelhantes”. Os grupos já estão formados e têm como intuito principal atacar os solitários. Nesse sentido, a constante fuga conduzida pela família de Jim é responsável por mantê-lo num estado crônico de melancolia e solidão.

Em uma das aulas, o professor diz que no infinito do espaço os problemas do homem parecem triviais e até ingênuos. Frase que vai na contramão do que vemos. O foco de Nicholas Ray é no indivíduo mais ignorado na sociedade: o jovem.

Líder da principal gangue da escola, Buzz cisma com Jim e o desafia a uma “Chicken Run” – corrida de carro perigosíssima – que, obviamente, termina de forma trágica. Por que o protagonista aceitou a proposta? Ele sabe que se fugisse, dificilmente alcançaria o respeito almejado – meio tóxico, não há como mudá-lo. Seu pai, quando perguntado sobre o que seria o certo a se fazer, não é firme, nem claro. Por último, Buzz o chamou de covarde e isso Jim não aceita. De volta em casa, o protagonista não tem dúvidas de que precisa ir até a delegacia e contar o que aconteceu.

Os pais se opõem a essa atitude, tentam convencê-lo de que ficar quieto é a melhor opção e até citam a possibilidade de uma nova mudança. A mãe é quem toma as rédeas da discussão, enquanto o pai, questionado diretamente por Jim, não sabe o que dizer. Essa cena é bastante reveladora em relação à realidade daquelas pessoas. Os mais maduros buscam a saída simples, querem simplesmente se esquivar de qualquer responsabilidade e o adolescente, atormentado por esse ambiente que lhe nega uma “vida normal”, quer enfrentar todas as situações.

Judy é a namorada de Buzz e também passa por um período conturbado com os pais. Ela ainda não entendeu que chegou a uma determinada idade em que a relação, principalmente com o seu pai, não pode ser a mesma de anos atrás. Sua imaturidade não muda o fato de “seu superior” passar do limite, se tornando uma presença agressiva, física e verbalmente.

Judy anda com o grupo de Buzz por temer a solidão, não por gostar deles, pelo contrário, admite que todos ali são falsos e que sente falta de uma amizade genuinamente afetuosa.

Diferentemente dos demais, John, conhecido como Platão, não tem pai e sua mãe raramente está em casa. Na escola, ele circula sozinho, observa todos e tem a capacidade de descrevê-los.

Platão nos apresenta uma nova perspectiva sobre o assunto: a inexistência de figuras paternas é mais danosa e dolorosa do que a omissão. Ele cola em Jim, percebe que é a sua grande oportunidade de ter um amigo.

Os coadjuvantes destacam o que estava preso dentro do protagonista.

Seu carisma já era notável, mas sua sensibilidade e cuidado ao se aproximar de Judy são surpreendentes. Gradativamente, conhecemos aquele jovem que, no fundo, era delicado e romântico – sua rebeldia era um sintoma da impossibilidade de ser ele mesmo.

É igualmente fascinante ver a maneira empática que trata Platão, que deposita nos ombros de Jim um peso praticamente paternal. Em vez de ignorá-lo ou de achar o seu jeito esquisito, ele o puxa para o seu lado e é compreensivo e amigável até o último instante. As pessoas precisam ser vistas e amadas para exibirem o seu potencial…

Na primeira cena, Nicholas Ray coloca os três personagens – ainda desconhecidos – no mesmo ambiente e dá uma breve noção de como são suas personalidades.

Quando a gangue “escolhe” Jim, vemos Buzz em primeiro plano e o protagonista no fundo do quadro, reforçando a covardia do ato e sua solidão. O mesmo artifício é utilizado por Ray na sequência em que ele vai até a delegacia informar sobre a tragédia e os policiais simplesmente o ignoram. A distância entre os corpos é uma denúncia do diretor: os jovens raramente são levados a sério. Planos abertos revelam a falta de opção de Jim – o embate é necessário – e conferem uma magnitude importante na “Chicken Run”, contrapostos por close ups que expõem as reações dos personagens. O contra-plongée dá uma certa imponência à gangue, que, no fim, acaba se mostrando falsa – não há união verdadeira ali. O medo é maior que a amizade.

Na cena em que Jim e Buzz duelam, Ray opta por ângulos distintos, abruptamente variados pela montagem, causando uma desorientação no espectador, que se vê na pele e na psique do protagonista.

O plano holandês é brilhantemente utilizado na sequência em que Jim e os pais divergem sobre o que deve ser feito em relação a tragédia – a imagem distorcida é suficientemente poderosa para reforçar a falta de sintonia entre os familiares – e no clímax, meticulosamente trabalhado pelo diretor e que, por razões óbvias, não revelarei. Ray tinha uma admirável facilidade para conceber momentos doces e belos. A imagem de Jim se debruçando sobre galhos, se declarando para Judy, é marcante, no entanto, diria que a sequência mais espetacular do filme, é aquela em que os três “novos amigos” correm, brincam e riem numa casa abandonada. Ray capta a pureza e a leveza dos jovens de uma forma tocante e simples.

A direção de arte enfatiza que a vida dos personagens não é miserável, através da concepção de suas casas. A não ser por espaços específicos nos quais as cores frias são mais evidentes, de modo geral, todas são convidativas e bonitas. O rosa e o vermelho não estão ali à toa, existe amor nas residências de Judy e Jim – só precisa ser melhor trabalhado.

O luxo excessivo na casa de Platão é inversamente proporcional ao afeto que recebe e a presença de uma arma ressalta o quão perdido e confuso isso o tornou. A jaqueta vermelha do protagonista é um ícone da sétima arte e é usada de uma forma bastante interessante na “Chicken Run”. Lado a lado, Jim e Buzz estão vestidos, respectivamente, de vermelho e preto. Cores que, além de combinarem, possuem conotações similares, ou seja, os motivos para serem amigos são maiores do que para brigarem – os próprios admitem isso.

A fotografia aposta em um forte contraste. Os tons quentes têm um valor estético e também refletem o calor e a personalidade pulsante dos jovens. A escuridão denota perigo e é onde os personagens mais se expõem, afinal, na luz do dia precisam manter um padrão. A escolha de Ray de intensificar as relações entre o trio central é espetacular, vai ao encontro da natureza jovial – animais noturnos, presos a existências vazias.

Os tons azulados no desfecho salientam a tensão e a ansiedade de Platão, que sofre com uma crise repentina.

Por mais elogiável que a narrativa seja, eu estaria mentindo se não dissesse que James Dean rouba inteiramente o filme. Sua presença é cativante e seu carisma, de fato, é inigualável. Seu personagem é o símbolo de um período que todos enfrentam – a época de ser tolo e de dar importância a tudo. Rebelde, charmoso, cool, inseguro, apavorado, sensível, empático e cuidadoso… Dean encapsula todas essas características em sua magnífica interpretação. É impossível assistir a esse filme e não ficar arrasado pelo trágico fim que ele teve.

“Rebel Without A Cause” talvez seja a obra prima mais reconhecida de Nicholas Ray.

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