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“Before Sunrise” é um pequeno milagre da sétima arte, um dos filmes mais simples, honestos e relacionáveis já realizados.

Quantas vezes você já se deparou com uma pessoa e quis desesperadamente chamá-la para sair, mas não teve coragem e seguiu em frente? A mente humana é cruel, cria gatilhos e freios que suscitam perguntas ingratas. É como se deixássemos várias almas gêmeas escaparem por medo. Aceitamos o suficiente, a mediocridade e fingimos que está tudo bem. Não estou dizendo que assumir riscos significa ser feliz, apenas que a tentativa é a única solução para existências burocráticas.

Ao se dirigir a Celine, no trem, Jesse está claramente inseguro e nervoso – o que é impossível de mascarar -, ainda assim, se abre e diz coisas que estavam trancadas em seu peito. Naquele vagão, dois jovens cientes de suas condições, se arriscavam e, aos poucos, descobriam que estavam diante de algo especial. Parisiense, Celine estava a caminho de casa, enquanto Jesse planejava passar uma noite em Viena e depois retornar para os Estados Unidos.

O quadro vai se fechando, estão cada vez mais próximos. O trem para: o protagonista tem que descer, mas não pode ir embora sem fazer uma pergunta. Ele decide chamá-la para passar o dia na capital austríaca e a moça, inicialmente hesitante, aceita o convite.

Durante cem minutos, tudo o que vemos são esses personagens conversando. Linklater entende a natureza e o comportamento humano como poucos, tem ideia do quão difícil é se aproximar de um estranho e trata tudo com muito cuidado. A intimidade é gradualmente estabelecida, através de diálogos e de interpretações que “abusam” do naturalismo.

Ethan Hawke e Julie Delpy estão incríveis, formam, provavelmente, o casal com a maior química da história do cinema. Os trejeitos, as pausas entre as frases, a timidez, o nervosismo, a felicidade, a melancolia, a paixão… tudo é encapsulado de maneira tão orgânica em suas performances, que em determinados momentos esquecemos que estamos assistindo a um filme.

A cena que define a obra em sua perfeição é aquela na qual os dois estão numa cabine escutando uma música romântica e, meticulosamente, desviam o olhar, sabendo que o outro está fazendo a mesma coisa. Os sorrisos são autoexplicativos e o silêncio humaniza os personagens.

Celine enxerga além do óbvio e acredita na “magia”, não à toa, se emociona ao escutar uma vidente e um poema de um boêmio local. Jesse é mais objetivo e cético, não tem dúvidas de que certas coisas são ditas para massagear o ego alheio e que outras não são tão originais quanto parecem. Discordâncias, segredos e detalhes singelos não os distanciam, pelo contrário. Eles são inteligentes e Linklater encontra o tom ideal, sem transformá-los em jovens pretensiosos, nem bobos.

A morte é um tema recorrente, Celine a teme profundamente e, no fundo, o filme é sobre a finitude de algo puro e como a vida nos provoca sensações extremas e conflitantes. Quando o sol nascesse, cada um seguiria o seu rumo. O acúmulo de memórias é um sinal de tristeza, do que poderia ser real e que se mantém perdido em mentes isoladas.

Os protagonistas evitam ao máximo pensar nisso, fazem o possível para tornar o dia incrível e conseguem. A vida é efêmera, o que não quer dizer que tudo que a preenche precisa ser. Se há tanto para se preocupar e deprimir, por que negar uma relação tão especial? Celine poderia se cansar das histórias e do jeito de Jesse? Sim, como também poderia aprender definitivamente o significado do amor a partir da repetição e da intimidade cotidiana.

O primeiro passo foi um sucesso, mas a vida exige outros e é preciso abrir mão de certas obrigações para alcançar ou vislumbrar a felicidade.

Jesse e Celine carregam dores recentes e se existe um período em que a impulsividade é bem-vinda, é este. “O amor é uma fuga para os solitários”, diz o protagonista, admitindo a necessidade de se envolver profundamente. Jesse conhece suas particularidades, cansou de si e se sente renovado ao lado de Celine. Ele foi à Europa anonimamente, vagando como um fantasma e parou “nas nuvens”.

A sequência no restaurante é a prova de que conexões reais e intensas não demandam tempo, mas abertura e um pouco de sorte. A pureza jovial está em suas descrições, repletas de afeto.

O roteiro quebra paradigmas importantes sobre sexo e sensibilidade, expondo, a partir de palavras e gestos, que são coisas complementares, que podem estar diretamente associadas quando os indivíduos se amam.

A racionalidade é o que diferencia os humanos dos animais, no entanto, também é uma espécie de âncora, capaz de nos prender a convenções banais. O desfecho de “Before Sunrise” é justo e honesto, deixando o espectador ansioso para assistir “Before Sunset”.

Invariavelmente, Linklater usa a baixa profundidade de campo para focar somente nos protagonistas. Sua opção por mostrar os espaços visitados pelo casal e que marcaram a trajetória é espetacular, principalmente pelo fato dos ambientes estarem vazios. “Parece que este momento é nosso”.

Precisamos conhecer estranhos tanto quanto precisamos de um empurrãozinho.

Em sua coleção de cenas belíssimas, “Before Sunrise” nos oferece uma frase que ratifica o seu caráter universal, delicado e relacionável:

“tudo o que fazemos na vida não é uma forma de sermos amados um pouco mais?”

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