Skip to main content

No fim de “Before Sunrise”, Celine e Jesse prometeram se encontrar na mesma estação de trem em seis meses. Nove anos se passaram e Jesse, agora um escritor, está promovendo o seu novo livro em Paris. As perguntas dos jornalistas despertam memórias, expostas através de flashbacks. Sua ficção era baseada numa breve realidade e o fato dele ter demorado quatro anos para elaborar um best-seller sobre uma noite enfatiza o efeito pungente que aquele momento em Viena teve em sua vida.

Eis que ela surge na livraria e, assim como na primeira instalação da “Trilogia do Antes”, Linklater utiliza longos planos para segui-los em uma cidade europeia em pleno verão. A narrativa é idêntica e uma das provas do carinho do cineasta por seu projeto aparece logo no início. “Before Sunrise” termina com planos dos ambientes visitados pelo casal. Em “Before Sunset”, ele inverte essa ordem, criando uma rima cuidadosa.

A timidez é compreensível, os protagonistas não se viam há quase uma década e já não nutriam expectativas de se reencontrarem. No entanto, como almas que foram destinadas uma à outra, rapidamente estabelecem uma dinâmica agradável e envolvente. Jesse é um sucesso graças a uma experiência que ainda o machuca diariamente e Celine se tornou uma ambientalista que não almeja altos cargos, lutando por causas que lhe tocam, sejam elas expressivas ou não. Jovem, ela dava indícios de que seria uma mulher independente, com ideias bem fixadas.

Menos puros e joviais, os dois dividem vivências definitivas em seus amadurecimentos. Falam sobre a importância do agora, como é difícil viver o presente sem se preocupar com o futuro ou remoer o passado. Andamos em linhas temporais distintas, jogando fora o que está diante dos nossos olhos. Jesse não reclama, a vida deve ser difícil, caso contrário, nada faria sentido.

Diferentemente do filme de 1995, este tem pouquíssimos respiros, um tem muito a dizer ao outro. Gradativamente, o tom dos diálogos se altera e, em vez de enaltecerem a beleza parisiense, rirem, discutirem sobre questões políticas e destacarem o quão bem estão se sentindo, decidem falar sobre a infelicidade que domina suas existências.

Ethan Hawke e Julie Delpy oferecem outro show. Sinceramente, acredito que nunca assisti interpretações tão reais e honestas. Os atores se envolveram tanto com a história, que assinaram o roteiro ao lado de Linklater. Não parece algo coreografado e decorado, os diálogos são orgânicos a ponto de suspeitarmos de algumas improvisações. Hawke não faz esforço algum para tentar esconder o seu encantamento ao revê-la. Seus trejeitos e reações quando “a tal noite” vem à tona denotam um desejo profundo de se declarar e extravasar, mas ele se controla e descontrai o ambiente com o bom humor que lhe é peculiar. Em contrapartida, Delpy tenta disfarçar o efeito que Viena teve em sua vida, fingindo que não se lembra do sexo no parque, por exemplo. A maturidade adquirida pelos personagens não é um grande feito dos intérpretes, até porque, nesse caso, a arte e a vida se espelham.

Antes que Celine e Jesse se “dilacerem”, Linklater opta por passeios e diálogos que combinam perfeitamente otimismo, existencialismo, comicidade, experiências enriquecedoras e ironia. É raro ver pessoas que escutam o outro com um interesse genuíno e esse é um dos motivos pelo êxito do filme.

Jesse se casou, tem um filho e um emprego estável. Ele seguiu cada passo das convenções sociais, “aceitou” o seu destino e vive um matrimônio simulado por responsabilidades. O amor pelo filho o impede de largar tudo, mas, além disso, não há nada que o faça sorrir ou vislumbrar tempos melhores em casa. O protagonista deixa seus dias passarem como páginas de um texto enfadonho. O objetivo do livro era justamente esse: encontrar Celine e aproveitar o momento, como em Viena. Convenções são falsos pretextos para a felicidade, que depende basicamente do que nossos corações sentem, não do que é aceito pelos demais. A trajetória humana não pode se basear exclusivamente em obrigações.

O relato de Celine é igualmente forte e revelador. A jovem doce de nove anos atrás não existe mais. Ela se entregou a Jesse de tal forma, que seu calor e romantismo desapareceram, transformando-a numa mulher fria, que coleciona relacionamentos esquecíveis e que aderiu a solitude, não à toa, namora um fotógrafo que raramente está em casa. Ela nunca tinha parado para refletir a respeito de seus sentimentos, até o lançamento do livro, que teve o efeito de uma bomba despejada em seu coração.

Durante nove anos, tudo o que assistimos em “Before Sunrise” foi negado. Celine e Jesse não viveram os momentos, nem respiraram o ar puro de seus países, apenas remoeram o passado, distante, belo e doloroso.

Eles desistiram do amor e riem juntos das respectivas desgraças. O ímpeto da moça de tocar no cabelo dele, freado no último instante, o abraço que marca uma história e as singelas descrições ressaltam a originalidade e o realismo da obra. Os últimos dez minutos são inigualáveis, fecham brilhantemente tudo o que assistimos. Fico imaginando a reação de quem viu o filme no cinema sem saber que em 2013 a trilogia teria o seu último capítulo. Linklater é um mestre da ambiguidade, um dos cineastas que melhor capta a natureza humana em seus mínimos detalhes.

Não poderia deixar de mencionar uma importante escolha do diretor. Assim como em “Before Sunrise”, Jesse não tem muito tempo e Linklater rodou o filme em tempo real, o que é elogiável, por ser difícil e servir brilhantemente à narrativa.

“Before Sunset” é, muito provavelmente, a melhor continuação da história do cinema.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!