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“To Live And Die In L.A.” segue uma premissa básica do Western: o meio transforma o ser humano.

Após o assassinato de seu colega prestes a se aposentar, Richard Chance, do Serviço Secreto, está disposto a capturar o habilidoso falsificador de dinheiro Rick Masters. A lei deve ser cumprida, mas é a vingança que o seduz.

Seu novo parceiro, John Vukovich, é um oficial correto e tranquilo. Oriundo de uma família de policiais, ele preza pela transparência e pelo cumprimento de suas tarefas. Chance, em contrapartida, não mede esforços para alcançar o que quer e não segue um código de conduta baseado na ética profissional. Ruth, sua informante, se encontra em liberdade condicional por sua causa e isso, obviamente, custa um preço. Se ela pedir uma quantia maior ou se recusar a dizer algo, o protagonista apenas relembra sua condição e a usa como um mero objeto sexual. Temos motivos para detestá-lo, mas não conseguimos, pois, além de ser o herói da história, entendemos onde ele está e porque age daquela forma. Nesse sentido, a fotografia é fundamental. Os tons azulados e acinzentados salientam o cansaço físico e emocional causado por seu ofício. Burocracias, investigações pesadas, perdas, e assassinatos não dão lugar ao prazer e a paz – o ciclo é infinito e penoso. A saturação de cores – o calor e o vermelho – reforça a violência, o ódio e acaba sendo um símbolo dentro do arco de John. Todavia, não podemos negar que há também uma forte preocupação estilística por parte dos realizadores, que, de certa forma, exaltam a década de oitenta.

O mesmo pode ser dito sobre a trilha sonora da banda Wang Chung, que cumpre uma função narrativa essencial, dinamizando perseguições e ditando a atmosfera idealizada por Friedkin. A canção tema e “Wait” possuem todas as características dos clássicos desse período – sintetizadores, melodias contagiantes e o “espírito New Wave”.

Os figurinos fluem num ritmo similar, sendo, simultaneamente, marcas de uma época que se foi e elementos essenciais na diferenciação dos personagens. Chance usa uma jaqueta de couro, camisas esportivas e óculos escuros, enquanto John veste ternos e roupas mais formais. O primeiro é impulsivo e egoísta, está disposto, inclusive, a roubar dinheiro para pegar Masters. O segundo distingue o certo e o errado, caminha por áreas calmas.

O “herói” e o “vilão” são as figuras mais chamativas e atraentes, entretanto, o centro e a força do filme estão em John. Sim, ele é o típico policial prevenido e nervoso, contudo, como mencionei bem no início da crítica, o meio afeta o ser humano. Fora do escritório, mergulhado em um universo avermelhado, John se depara com dúvidas, temores e sensações extremas. No fim, é ele quem usa a jaqueta de couro e os óculos escuros, trocando a retórica metódica por uma mais sedutora e hábil. O posto e a personalidade de Chance agora eram seus, assim como Ruth.

Quando lei, ordem, mentira e caos se misturam, precisamos reavaliar princípios. Os policiais não são heróis, seus comportamentos são condenáveis, todavia, até que ponto podemos julgar homens que vivem um inferno diário? Não seria um tanto ingênuo e injusto da nossa parte taxá-los? É impossível entrar e sair da selva sem se sujar…

O estilo direciona nosso olhar para o puro entretenimento e, de fato, a obra é divertidíssima, no entanto, temos que estar atentos para enxergar através do espelho. Poucos arcos são tão fascinantes e bem construídos.

Falando em estilo, Rick Masters é, sem dúvida alguma, um dos vilões mais cool da história do cinema. Seu jeito frio, destemido e cerebral é único. A cena em que “trabalha” é extraordinária. Friedkin tem o mesmo cuidado de Masters e apresenta o processo inteiro minuciosamente – destaque para os planos-detalhe, a montagem e a trilha sonora, que dão um ritmo contagiante.

O diretor cria uma rima com a utilização de contra-plongées, que assumem a conotação de imponência e prazer em matar.

Friedkin adota uma abordagem ampla em cenas de perseguições. A sequência no aeroporto reforça o papel primordial de cortes precisos que, em vez de tornarem a ação confusa, potencializam o realismo e o frenesi.

A montagem também ajuda o espectador a compreender a psique dos personagens. Em determinada cena, imagens de Chance fazendo bungee jumping são inseridas – ele se alimenta daquela adrenalina. No desfecho, as palavras de John são intercaladas pelo rosto de seu parceiro – assume uma nova personalidade.

Um enquadramento em especial chamou bastante a minha atenção. Quando Chance invade a casa de Cody, amigo de Masters, Friedkin usa um plano conjunto bem elegante. A parede os divide, de um lado, a luz é mais nítida, do outro, a escuridão é absoluta. Dessa forma, assumimos quem se sairá melhor no embate antes que ele ocorra.

Quem já ouviu falar sobre esse filme ou o assistiu, sabe que há nele a melhor e mais impressionante perseguição de carros de todos os tempos.

Cenas assim costumam seguir um certo padrão e Friedkin, que já havia inovado em “The French Connection”, criou a sua própria lógica, que vai ao encontro do texto – caos e perigo constantes. Planos subjetivos, câmera na mão, planos abertos, close ups de rostos que reagem de maneiras opostas… a tensão é palpável e os obstáculos são inúmeros.

Gostaria de falar sobre um detalhe na perseguição, mas tenho plena convicção de que essa é uma daquelas sequências que não devem ser “estragadas”.

William Petersen faz de Chance um sujeito complexo e conturbado. Sua empatia é evidente ao libertar Cody para ver sua suposta filha doente e nas conversas que tem com seus colegas. Esse “apego” acaba se virando contra ele, que opta sempre por sua intuição destrutiva, o desumanizando no processo sem que perceba. Petersen personifica brilhantemente o homem que está há alguns anos preso e adaptado a esse meio. Sua personalidade impulsiva é singular? Não, um sintoma comum de seu ofício.

John Pankow vai de um extremo a outro com maestria, tornando John um personagem, gradativamente, interessante. Sua confusão mental, medo e dúvidas sobre si são traduzidos em falas aceleradas e trejeitos.

Willem Dafoe interpretando um vilão metido a galã… quem diria. Eu sei que é difícil de acreditar, mas é verdade.

É importante ressaltar que, por mais tênue que seja a linha entre o certo e o errado, os policiais, diferentemente de Masters, assumem uma cumplicidade absoluta, um acordo em que entregar o parceiro está fora de cogitação.

“To Live And Die In L.A.” é a obra prima oitentista de William Friedkin.

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