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“The Wind Rises”, o penúltimo filme do mestre Hayao Miyazaki, é baseado na vida de Jiro Horikoshi, o engenheiro-chefe de muitos projetos de caças japoneses da Segunda Guerra Mundial, incluindo o Mitsubishi A6M Zero.

Logo no início, o protagonista, ainda criança, se imagina pilotando um avião, num momento que vai da paixão ao pesadelo rapidamente. Em sua obra menos fantasiosa, Miyazaki faz escolhas narrativas interessantes, como, por exemplo, a inserção de sequências oníricas. O mentor de Jiro, Caproni, se torna uma figura essencial sem nunca aparecer em “carne e osso”. “Aviões não são armas de guerra… nem um jeito de ganhar dinheiro”. É o italiano quem encoraja o protagonista, proibido de pilotar pela miopia, a seguir sua voz interna.

Eu não fazia a menor ideia de quem era Jiro Horikoshi, no entanto, rapidamente fiquei tocado por sua história. Um designer de aviões, um artista de vanguarda e um gênio ambicioso e corajoso são caracterizações válidas, porém, acima de qualquer rótulo, ele foi um homem extraordinário. Estamos falando de um sujeito simpático, sensível e honesto que seguiu suas convicções e quebrou a cabeça para servir seu país.

A partir de elipses, acompanhamos o progresso de Jiro, de garoto sonhador a engenheiro requisitado, o que também é salientado através das mudanças de figurino. Os plano-detalhes de cálculos e desenhos reforçam o fascínio do protagonista por seu ofício, e as fusões colocam o espectador em contato com sua mente, que antevê acertos e equívocos enquanto raciocina. O Japão passava por uma crise financeira estrondosa, retratada pelo caos urbano, a falta de emprego e o fechamento dos bancos.

“Nunca esquecerei o que vi hoje”, afirma Jiro, após falhar em um importante teste. Sua empresa não perde tempo e o envia, juntamente com Honjô, um bom amigo e colega, para a Alemanha, considerada uma potência industrial naquele período. Assim que batemos o olho no grandioso e metálico avião germânico, percebemos que o protagonista tem um longo caminho a percorrer. O caráter xenófobo e a impaciência dos alemães dizem muito sobre o caminho que estavam prestes a trilhar, regidos por Adolf Hitler. O cuidado da direção de arte e da fotografia na caracterização dos países merece elogios.

A Alemanha é um lugar frio, marcado por árvores secas, pela escuridão e espaços majoritariamente urbanos; em contrapartida, o Japão é radiante, tomado pela natureza e locais abertos. As tradicionais arquiteturas ocidentais e orientais são respeitadas, até mesmo o asfalto e os quartos são radicalmente diferentes. Não precisamos de diálogos para captarmos a pressão e o estresse sentidos por Jiro, o cinzeiro lotado de cigarros é autoexplicativo. Seu medo, evidenciado em pesadelos, é grande, todavia, seu fascínio pelas nuvens é maior.

As sequências em que ele conversa com Caproni, andando pelas asas do avião, além de esteticamente deslumbrantes, provam que seu esforço não advém da fome por poder ou fome, mas da inocência que o fazia subir nos telhados de sua casa na infância. O protagonista, diferentemente de Honjô, não vai à Alemanha com o intuito de copiá-los.

A tecnologia acompanha a inspiração e é isso que move o nosso herói. Na contramão de todos os engenheiros, que construíam máquinas pesadas e gigantescas, Jiro pensa no avião mais leve possível, com rebites chatos e um design inovador. A Segunda Guerra Mundial bate na porta e a demanda aumenta, o que não desanima o protagonista.

O uso constante de contra-plongées, colocando Jiro praticamente em contato com o céu, ratifica essa ligação transcendental – não há saída, esse é o seu destino. Não à toa, sua irmã, por quem ele nutre um carinho notável, pouco aparece.

O vento, sempre libertador nos filmes de Miyazaki, é um elemento unificador, o símbolo do relacionamento entre Jiro e Nahoko. Na primeira viagem do protagonista, o vento joga seu chapéu em direção a sua futura amada; anos depois, o mesmo acontece com o guarda-sol da moça, que quase “arranca” o peito do engenheiro; por último, o vento anuncia algo que somente Jiro compreende. Essa rima é de uma elegância ímpar, estabelecendo uma relação fundamental e ressaltando a conexão do protagonista com a natureza.

Como mencionei acima, diálogos não são necessários quando as imagens falam por si. A longa cena em que Jiro atira seu aviãozinho de papel – um protótipo do A6M Zero – na varanda de Nahoko, adoecida, é suficiente para fomentar uma atmosfera delicada e romântica. Ele não solta a mão dela enquanto vira à noite trabalhando e abandona sua equipe ao ser chamado com urgência. A solidão do protagonista é incessantemente pontuada pelo cineasta, algo que claramente o atormenta. Ele não é apenas um prodígio, sua alma clama por companhia, por alguém que possa receber todo o afeto retido em seu peito. Dito isso, o romance já nasce fadado à tragédia, afinal, Nahoko sofre de uma tuberculose em estado ainda inicial.

Jiro não é impulsivo ao pedir sua mão em casamento, ele sabe exatamente onde está se metendo, da mesma forma que sabe para qual fim seus aviões serão utilizados. Suas paixões são incontroláveis, maiores que sua consciência, puras e justas.

“O sonho de voar da humanidade é também um sonho amaldiçoado”, avisa Caproni. Jiro é um ser amaldiçoado e o seu desfecho, por mais agridoce que seja, não deixa de ser trágico. Seu projeto pessoal se transformou numa arma, seu país se esfacelou e seu amor…

Miyazaki explora os horrores da Segunda Guerra; a fumaça preta que impregna o ambiente é assustadora, assim como o fogo. A sequência em que Jiro e Nahoko se conhecem é sucedida por um terremoto de proporções homéricas, responsável por destruir boa parte de Tóquio e deixar as pessoas em estado de desespero. Esse é o seu filme mais profundo e a imagem dos destroços reforça a natureza altruísta do povo japonês, que se reergue sem aporte financeiro, somente com o apoio coletivo.

A beleza em “The Wind Rises”, por motivos óbvios, é a mais “mundana” em toda a carreira de Miyazaki. As paisagens rurais, os espaços abertos e a presença marcante da natureza formam os fotogramas mais lindos postos em tela numa animação. Em determinado momento, Nahoko está terminando uma pintura e seus traços são muito similares aos do campo pelo qual Jiro passeia. A variação de tons no trabalho de fotografia é memorável – destaque para os planos gerais do pôr do sol.

“The Wind Rises” é uma obra prima, muito provavelmente o Magnum opus de Hayao Miyazaki. 

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