Poucos filmes são tão inteligentes, engraçados e bem interpretados quanto “The Producers”. Esse é um dos grandes exemplos em que tudo funciona e nenhum minuto sequer é perdido.
Max Bialystock já foi um grande nome na Broadway e atualmente é um gigolô que precisa realizar fetiches de idosas para ganhar um tostão. Ele não tem vergonha em realizar fantasias bizarras e faz de seu cotidiano uma via de mão dupla, na qual ambos os lados se usam. “Trouxe o chequinho?”
Seu contador, Leo Bloom, percebe que sua última peça teve um déficit de dois mil dólares e, ao tentar esconder a fraude, percebe que um fracasso retumbante pode render muito mais lucro que um sucesso. Não é um plano, apenas um pensamento matemático de Bloom, todavia, para Max representa a chance de sua vida. A cena em que o protagonista tenta convencer o contador a participar da falcatrua é uma verdadeira obra prima do humor. Zero Mostel parece um troglodita prestes a engolir o neurótico Gene Wilder – deixarei para falar das interpretações e da química entre os dois no final. Após muita histeria e ataques de pânico, Max passa a utilizar sua sedutora retórica a fim de trazer Bloom para o seu lado. Ele começa a chamá-lo de Leo, oferece um almoço numa barraca de hot dogs, passeia de barco e caminha pelo Central Park, inflando o ego do contador, um sujeito extremamente tenso e solitário. Repentinamente, Bloom se vê cercado de elogios, um estilo de vida leve e palavras de motivação. Ainda que não acreditasse no plano e fosse um homem correto, ele nota que nunca esteve tão vivo e feliz e acaba topando.
Agora, eles precisam encontrar o pior roteiro possível, um que garanta um fracasso retumbante. Após horas de leitura, o protagonista chega à “Primaver Para Hitler”, uma peça que impressiona pelo mau gosto. Os dois vão atrás do autor, uma caricatura ambulante de um nazista cego. A ideia é aprovada, as coisas começam a andar e eles precisam montar uma equipe. Para a direção, ninguém melhor que Roger De Bris, o único diretor cujas peças nunca passaram da noite de estreia. O elenco precisa impressionar pela falta de talento e nada seria melhor que um Hitler hippie, conhecido como LSD. Enquanto isso, Max vai atrás de suas “investidoras”, gasta uma parte da fortuna antes de realmente adquiri-la e contrata uma assistente sensual. Bloom percebe que eles passaram de qualquer limite quando vê que venderam 2500% de ações. Ou seja, caso a peça fosse um sucesso, os dois estariam em grandes apuros.
O primeiro ato corre como o esperado e o mais engraçado, além da expressão horrorizada do público, é o genuíno empenho dos atores, que cantam e dançam com vigor e animação, aparentemente sem fazer ideia do que estão dizendo. O final eu deixo para vocês, os últimos quinze minutos são surpreendentemente especiais.
Mostel faz caras e bocas, é expressivo, toma à frente de absolutamente todas as cenas e não depende de uma única piada para fazer o espectador gargalhar. Max é um homem decadente e o ator consegue expor esse traço de uma maneira cômica, mostrando que está sempre olhando para frente, para um próximo alvo. A cena em que ele adula De Bris é genial, assim como a que enfatiza: “esse é o nosso Hitler”, após a péssima apresentação do suposto ator. Suas sequências com as idosas também são sensacionais, principalmente pelas caretas que faz para agradá-las. No entanto, seria injusto se não destacasse a já citada cena em que o protagonista explora toda a neurose do contador, colocando-o contra a parede.
Gene Wilder é o contraponto perfeito para a presença dominante e excêntrica de Mostel. Ele é calmo, honesto, neurótico e infeliz. O ator vai de um extremo ao outro em um espaço de tempo curtíssimo. Diferentemente de Max, Bloom tem um arco significativo, indo da segurança e da melancolia à ganância e ao êxtase, sem nunca esquecer de seu pânico e suas neuroses, o que torna sua figura, gradativamente, mais interessante e imprevisível. Ambos os atores fazem muito com seus olhares e reações, mas também merecem elogios pelo uso do corpo para criar humor.
A direção de arte é muito interessante e talvez passe despercebida. A sala de Max é marcada por um amarelo decadente, combinando sua ganância com sua atual situação. As cortinas vermelhas são um excelente complemento ao ambiente. Com mais dinheiro, Max exagera nas cortinas e nas cores fortes na parede, além de outros luxos, como um carro e um chofer. Seu figurino, no início, é um roupão vermelho, que conversa com que foi apresentado acima, enquanto Bloom veste um paletó cinza, que ressalta sua honestidade e solidão. A casa do diretor é como ele: metida à moderna e elegante, sendo apenas cafona.
A montagem é dinâmica, potencializando o humor com um timing cômico invejável e dando um ritmo frenético a um filme que nunca perde o fôlego.
Mel Brooks conduz sua obra como um mestre, abusando de close ups que extraem as mais diversas reações dos personagens. Ele, a princípio, estabelece um clima tenso entre os protagonistas, que dividem um espaço pequeno e apresentam temperamentos opostos. Percebam como o autor nazista e o diretor aparecem em posições de dominância – contra-plongées -, que colocam Bloom e Max abaixo deles. No momento em que os dois aceitam as propostas, ficam na mesma disposição dos protagonistas dentro do quadro. São sutilezas que provam o talento de Brooks, que via em detalhes assim uma forma de estabelecer humor e continuidade narrativa. Adoro também os olhares de Mostel para câmera, como se ele dissesse para o espectador que ganha todos os “otários” ao seu redor na lábia.
“The Producers” é uma pérola cômica, repleta de cenas memoráveis, interpretações fabulosas e um texto brilhante.
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