Skip to main content

Antes de dirigir “It’s A Wonderful Life”, “Mr. Deeds Goes To Town”, “It Happened One Night” e “Mr. Smith Goes To Washington”, obras primas que alçaram Frank Capra ao patamar de gênio indiscutível, ele realizou excelentes dramas.

“The Bitter Tea Of General Yen” é um destes “filmes perdidos” em sua magnífica carreira. Na década de vinte, em meio a Guerra Civil na China, Robert Strike e Megan Davis, missionários americanos, estão prestes a se casar. Eles não se veem há três anos e no tão esperado dia, Strike recebe a notícia de que um grupo de órfãos se encontra numa zona de extremo perigo. Os dois vão até lá e são separados no meio do tumulto. Megan é resgatada pelo poderoso General Yen, que se encantou pela moça em um breve encontro que tiveram.

Na cerimônia ocidental, os convidados generalizam a maldade asiática e, através de uma panorâmica, Capra mostra o rosto melancólico de um senhor chinês. Os americanos, no máximo, assobiam para seus funcionários, imersos na sombra.

Dopada no trem, Megan acorda na mansão do General, vestida com roupas tipicamente chinesas. Os trabalhos de direção de arte e figurino são fundamentais para expor as diferenças culturais. Quimonos e roupões são marcas do oriente e é interessante notar que Jones, responsável pelas finanças de Yen, usa o tradicional “terno e gravata”. O ocidente está representado no idealismo de Megan e Strike, mas também na ganância de Jones, que não mede esforços para aumentar o poder de seu patrão. A arquitetura chinesa é elegante, porém se confunde com uma prisão para a protagonista, forçada a se acostumar com a nova moradia. Sua roupa é uma imposição, diz muito sobre a personalidade de Yen, acostumado a conquistar terras.

Os primeiros diálogos entre os dois refletem suas diferenças, que, em momento algum incomodam o General. Ele fala da beleza da lua e de seu amor por cerejeiras com encantamento. Megan, pura e delicada, atingiu esse status de ternura, o afetando da mesma forma. Na primeira manhã, ela é acordada com o barulho de tiros – inimigos bombardeados. Esse é o som que dita a trajetória de Yen e que, de certa forma, o fascina. Ele aprendeu, desde cedo, a vencer, derrubar oponentes e se estabelecer como um verdadeiro líder, poderoso e imponente. Megan desperta seu coração bélico, no entanto, é “algo a ser conquistado”, sem dúvida alguma, o prêmio mais valioso de sua galeria. Ao lado da protagonista, o General, apesar de não esconder suas cruéis intenções, faz um tremendo esforço para ser cuidadoso e carinhoso, atendendo a pedidos que vão contra seus princípios morais. “A cadeira é para a minha esposa… que ainda não existe”, diz Yen no jantar, enquanto observa Megan. A posição dos personagens na mesa reflete a importância e o futuro de cada um. Mah Li, serva do General, conta segredos para os seus principais inimigos. Em um plano espetacular, vemos ela encostada numa porta com o formato de grade, cabisbaixa, na absoluta escuridão, fumando um cigarro cuja fumaça serve de prenúncio para o seu fim. Matar conspiradores é uma prática normal naquela China. “Tenho pena de você. Um homem poderoso com medo de uma escrava”, afirma Megan, tentando salvar a pele da nova “amiga”. Seu discurso sobre empatia, segundas chances e dar amor sem receber nada ressaltam quão cego e pobre espiritualmente Yen é. Cético e pragmático, o General não acredita nas palavras da amada, ainda assim, é tocado por sua retórica. O embate cultural é fascinante, não por transformar os personagens, mas por fortificar a ambígua relação entre os dois. Em determinado momento, acompanhamos o sonho da protagonista, que é perseguida pelo General e salva pelo mesmo – o que ele representa para a missionária?

Mah Li passa a ser responsabilidade de Megan, que é surpreendida com uma minuciosa traição. Não sabemos o que está sendo planejado, todavia, através dos rápidos movimentos de câmera elaborados por Capra, notamos que algo acontecerá. O trato era simples: caso Mah Li fugisse ou agisse em prol dos inimigos, Megan seria morta. O General não consegue, seria como exterminar a luz que permeia sua desumana mansão. Ser bem tratada por Yen é uma tortura para a protagonista. “A verdadeira tortura é ser desprezado por alguém que você ama”. Dessa forma, ele a desmonta, assumindo de vez sentimentos que destruíram sua ambição e a tristeza que o dominava. Megan, com seu roupão branco e altruísmo intocável, adentrou a cavernosa alma de Yen. Em sua despedida, dominada pela escuridão e pelas tradições orientais, a protagonista aparece vestida como uma autêntica concubina. A intimidade conferida por Capra e pelo texto permite que o General parta em paz, sorrindo por estar finalmente ao lado de Megan, cujo choro salienta a força de seu arco.

Yen não era um monstro, apenas nasceu em um lugar que o ensinou a ser um; um lugar que valorizava a Guerra e as posses acima de qualquer coisa. A protagonista percebe que estava diante de um homem sensível, solitário e amoroso. Rótulos culturais e preconceitos existem e devem ser desconstruídos na medida em que as pessoas se conhecem – talvez tenha sido tarde demais.

No fim, Megan está em um barco, a caminho de casa, de seu noivo, entretanto, não sorri, chora pela lembrança de um sujeito perdido em sua própria grandiosidade. Yen não acreditava na morte, quem sabe ele não é o vento que move o cabelo de Megan, quem sabe não é uma cerejeira…

Frank Capra, compreendendo perfeitamente o embate cultural, a Guerra e a particularidade dos romances, imprime um ritmo caótico em sequências brutais, utilizando ruas estreitas, povoadas e decadentes como palco, e concebe quadros estonteantes.

A fotografia em preto e branco, além de lindíssima, cumpre um papel fundamental no desenvolvimento dos personagens, destacando suas diferentes personalidades, seus arcos e o efeito que um personagem tem perante o outro. Quando Mah Li é libertada, por exemplo, no plano seguinte ela está num espaço aberto e luminoso.

Barbara Stanwyck, em um de seus primeiros papéis de sucesso, destila carisma e charme. Seus choros e olhares são sutis e emocionantes a ponto de mudarem sua perspectiva sem que uma palavra sequer seja dita.

Nils Ashter oferece uma performance espetacular, transformando, gradativamente, uma figura asquerosa em um sujeito sensível, digno de compaixão e pena. 

“The Bitter Tea Of General Yen” é um belo filme.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!