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“Night Nurse” começa com um plano subjetivo de um motorista dirigindo uma ambulância freneticamente. Este é um filme muito bem amarrado, que impressiona pela concisão, por não perder tempo com situações descartáveis. O hospital é um ambiente caótico e exaustivo; em um quarto uma mulher está prestes a dar à luz, no outro, alguém acabara de morrer.

Lora Hart quer ser enfermeira, porém nem o ensino médio concluiu. Ela acaba esbarrando em Bell, médico principal do hospital, e consegue o emprego. Claro, antes de ser efetivada passa por uma série de exames e testes. Os filmes da “Hollywood pre-code” tinham suas particularidades, sendo a misoginia, o machismo, o sexo e a imoralidade as principais.

Enquanto a protagonista troca de roupa, Egan, outro enfermeiro, entra no vestiário para espiar e dar as boas vindas num tom bem sarcástico. Antes disso, ele e outro colega já haviam “conferido” as pernas de Lora. Os personagens compreendem o funcionamento desse universo, relevam certos absurdos e buscam a sobrevivência.

A protagonista afirma que ama cuidar das pessoas, no entanto, sabemos que seu intuito primordial é ganhar algum dinheiro. Maloney, sua parceira, está mais interessada em conhecer homens ricos e fugir à noite para farrear. O plano-detalhe do papel do turno das enfermeiras se repete durante o primeiro ato e é responsável pela progressão da história.

Se algum personagem surge e é reforçado de alguma forma, podem ter certeza de que ele será importante na trama. Esse é o caso do gângster baleado que implora por sigilo para Lora – ele se refere a ela como “amiga”. No dia da entrega dos diplomas, as graduadas recebem arranjos de flores e o da protagonista, entregue pelo gângster, é expressivamente maior que o das demais. A cumplicidade no submundo é inegociável e chega a ser irônico o forte laço formado entre a “certinha” e o “criminoso”.

Na primeira grande operação da protagonista, o diretor William A. Wellman estabelece uma atmosfera angustiante. O silêncio denota tensão, as máscaras escondem a apreensão geral e os diferentes ângulos exploram o minucioso trabalho. O intimismo é quebrado quando algo foge do controle, resultando num plano geral que informa a morte do paciente.

“Isso acontece muito”. Não é o tipo de coisa que uma jovem enfermeira quer escutar, contudo, é a pura verdade. O primeiro ato se move livremente, através de interações orgânicas e situações específicas. Após a formatura, o filme ganha contornos mais interessantes, entrando em um terreno sujo e perigoso.

Maloney e Lora agora trabalham em residências e suas roupas ressaltam o leve salto que deram na carreira. Elas cuidam de irmãs anêmicas, e Ranger, o doutor responsável pelo caso, trata tudo com muita calma e naturalidade. O edifício é um verdadeiro parque para a alta sociedade, que se esbalda em festas regadas a bebidas.

A mãe das crianças tem orgulho em admitir que é alcoólatra, está sempre acompanhada de um sujeito patético que tenta abusar sexualmente de Lora e de Nick, o chofer, interpretado brilhantemente por Clark Gable. Sua primeira aparição reforça o quão sinistro o personagem é: a princípio, não o vemos – o ângulo baixo mantém seu anonimato -, somente após o espancamento do tal sujeito patético, o zoom em seu rosto revela sua índole, seguido por um soco desferido na pobre enfermeira – a câmera desvia na hora, deixando a agressão implícita.

Lora, obviamente, se dirige a Ranger, que finge não acreditar em sua história e se irrita ao perceber que a protagonista quer ir adiante com essa “investigação”. Os tiques nervosos do doutor dão a entender que ele e Nick trabalham em conjunto, que estão envolvidos em algum esquema para manter as irmãs doentes e a mãe bêbada. Detalhes assim engrandecem a obra, tornando a experiência do espectador ainda mais fascinante – somos detetives.

A sala de Ranger é enorme, salientando seu poder e as barreiras que Lora enfrentaria para chegar à verdade. No plano seguinte, Bell aparece de costas, reafirmando quão difícil seria adentrar essa rede de intrigas e corrupção. Todos falam para ela sobre a importância da ética profissional. Tal repetição enfraquece o significado da palavra, obrigando a protagonista a trilhar seu próprio caminho. Em vez de aceitar e se curvar perante o sistema, Lora, que já era uma mulher forte, cresce e se impõe diante do inaceitável.

Mrs. Maxwell, funcionária da mãe das crianças doentes, surge espiando a protagonista atrás de uma cortina, dando indícios de que não é uma personagem confiável. No entanto, com o passar do tempo, descobrimos que ela, na verdade, sabe de tudo e teme pela própria vida. Mortie, o gângster, e Bell eram as pessoas com as quais a enfermeira criou algum tipo de vínculo, logo, eles são peças essenciais no poderoso desfecho.

O melhor exemplo da organização e da nitidez narrativa de “Night Nurse” está numa sequência simples. O grupo precisa de leite e Mortie é o encarregado. O gângster chega na farmácia, Wellman utiliza um plano subjetivo para mostrar as garrafas, ele quebra o vidro da porta e há uma fusão que nos leva para o quarto novamente. Muitos cineastas optariam por mostrar o desenvolvimento desse “assalto”, distraindo o espectador com fragmentos dispensáveis.

Sim, Nick e Ranger eram parceiros na negligência, e, sim, existe um interesse financeiro por trás. No embate final, o chofer está com uma roupa preta que cobre seu pescoço, enquanto Lora veste o tradicional uniforme branco de trabalho – o mal e o bem. Nesse ponto da história, Maloney nem se comporta como uma enfermeira, está mais para uma socialite. Não é sobre fazer o correto, mas o certo. Em um mundo no qual a ética é um crime e a moral é inexistente, nenhum desfecho seria melhor do que aquele – sem falar na rima realizada pelo diretor com o primeiro plano da obra.

Lora Hart não representa um grande desafio para uma atriz que domina a tela com extrema facilidade. Barbara Stanwyck sempre foi muito expressiva e sua humanidade é pulsante, explorada em close ups precisos. Versátil, a atriz caminha dentro de um arco traiçoeiro, que poderia soar inverossímil caso não fosse dotada de um raro talento – tanto para o drama, quanto para a comédia.

“Night Nurse” é um excelente filme que merece ser redescoberto.

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