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O garoto é apenas um projecionista e faxineiro do cinema. Ele ama uma garota e quer pedir sua mão em casamento, mas não sabe muito bem como agir. O protagonista sonha em ser um detetive de renome, porém é demasiadamente desajeitado e tímido. Seu “oponente”, o Sheik, responsável por roubar e vender o relógio do pai de seu amor, abusa da ingenuidade do garoto e o incrimina, deixando todos surpreendidos e decepcionados.

Solitário e desolado, ele retorna ao seu trabalho, dorme e sonha que está no filme, projetando sua realidade para a ficção.

O protagonista deixa de ser azarado e desastrado, se transformando em Sherlock, Jr., o melhor detetive do mundo.

Buster Keaton era genial e talvez a maioria das pessoas não perceba que sua obra é, simultaneamente, reconfortante e pessimista. 

De uma forma objetiva, é uma comédia repleta de gags e sequências elaboradas de perseguição; por outro lado, o roteiro deixa nítido que o único lugar onde as coisas realmente funcionam e nossas inseguranças desaparecem é no cinema. Tudo dá errado para o pobre Buster na realidade e o final só é definitivamente feliz graças a uma ajudinha do filme projetado, numa das cenas mais espetaculares que já assisti. Ele não sabe o que fazer, então repete os gestos românticos do homem e conquista a garota, até que, após uma elipse, o casal está rodeado por filhos e Buster fica perdido, coçando a cabeça. Não existem cortes assim na vida real, nada é entregue de bandeja, tudo tem um preço. 

Humilde, o protagonista se alegra ao encontrar dinheiro no chão. Quando uma mulher o informa que perdeu um dólar no cinema, ele pede para ela caracterizar a nota. Mas é óbvio, como detetive, o garoto precisa ter certeza de que as informações batem…

Buster varia entre o humor sutil, como esse, e o mais elaborado. A perseguição na qual ele se torna a sombra do Sheik é de uma precisão impressionante. Ninguém tinha ou tem o seu timing cômico, nem a sua coragem para presentear o espectador com a experiência mais genuína possível. Buster pula por vagões, se pendura em um enorme duto de água, anda em uma moto desgovernada e se joga de prédios. É tão bem coreografado, que chegamos a achar que existe algum truque por parte do ator, mas não, ele faz aquilo tudo mesmo, e se não fosse dotado de um talento imensurável, poderia facilmente ter morrido em cena.

Outra sequência marcante é aquela em que o protagonista entra no filme, o que, ainda hoje, choca pela inventividade. Ele simplesmente colocou uma moldura na frente do cenário, simulando esse salto da realidade para a ficção. A montagem é bastante ágil no momento em que o garoto pula de um cenário para o outro, tendo que se adaptar às diferentes adversidades. A cena só funciona, porque Buster está sempre no ponto perfeito para o próximo corte, caso contrário, além de não ter graça, ele estaria sujeito a alguma tragédia.

Se na realidade o garoto é facilmente enganado, na ficção está sempre um passo à frente de seus rivais. O farrapo é trocado por um fraque elegante e uma cartola, denotando segurança e inteligência. Falando nos figurinos, todos são mais chiques no filme e o contraste entre as residências é notável – belo trabalho de direção de arte. Buster realmente acreditava na beleza e no mundo encantado da sétima arte, por isso se entregava tanto, queria deixar claro para o espectador que certas coisas só acontecem no cinema, um lugar mágico e repleto de possibilidades.

Suas gags e perseguições mais elaboradas surgem apenas na ficção e o uso de poucos frames por segundo ratifica o tom cômico e o tamanho de suas estripulias. A cena em que ele passa em cima da moto em frente a um trem foi rodada na ordem oposta a que vemos, invertida na pós-produção. Ironicamente, a única sequência de ação que se passa na realidade resultou na fratura de uma vértebra de seu pescoço – descoberta anos depois, em um exame de rotina.

Vivendo sua persona eterna – generosa, sensível e desajeitada -, Buster não fica somente no humor físico, seu talento eleva a obra a outros patamares. Compartilhamos sua dor ao perder a amada e sua felicidade ao vê-la novamente. Buster era tão expressivo, que não precisava de palavras.

Como diretor, ele merece elogios por orquestrar sequências longas e complexas, repletas de obstáculos, auxiliadas por uma montagem ágil. Buster extrai humor através de sutilezas, como planos-detalhe de seu manual de detetives e da reação de determinados personagens. O cinema mudo dependia muito da qualidade de seus intérpretes e Buster utiliza close ups em momentos mais dramáticos. Destaco também a sua noção espacial, principalmente na cena em que é incriminado. O protagonista está no centro, espremido pelos demais.

“Sherlock, Jr.” é uma obra prima sobre a magia do cinema, contrastante aos percalços do cotidiano.

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