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Disposto a construir o seu próprio rancho, Thomas Dunson abandona sua caravana e deixa sua esposa para trás, seguindo somente com Groot, seu inseparável parceiro. O seu caminho parece mais árduo e Fen, a seu ver, não é forte o bastante. Após algumas milhas, os dois são atacados por índios e conseguem se desvencilhar. Um deles carregava no braço o bracelete deixado por Dunson para a amada. Ele sente o golpe, admite internamente o erro e percebe que nunca será capaz de preencher o vazio que se abriu em seu peito.

Eis que surge Matt, o único sobrevivente do ataque comanche, e é adotado pelo protagonista, que ensina tudo o que sabe ao jovem de forte personalidade. Dunson sempre quis ter um filho e sem Fen, o garoto ganha uma importância imensurável em sua vida.

Anos se passam, o trio estabeleceu um enorme rancho no Texas, todavia, enfrenta um grave problema: sem mercado, Dunson acumula dívidas e animais. Eles precisam buscar um local povoado, que atraia o interesse de nomes importantes. O Missouri é a melhor opção e, ainda que outros estados sejam citados, nada mudará a cabeça dura do protagonista.

Matt cresceu, ultrapassou o pai na habilidade com as armas e, apesar de admirá-lo imensamente, discorda de seus métodos secos e tirânicos.

Na noite anterior à viagem, Dunson é bem claro: quem quiser abandonar o grupo, saia agora. Quem ficar e assinar o contrato arcará com as consequências de um imprevisível e insalubre trajeto.

A travessia é épica, não me lembro de ter visto algo tão grandioso, pelo menos não em um Western. Diferentemente de John Ford, que explorava a complexidade e a beleza dos cânions, Hawks era um cineasta que mantinha sua câmera quase sempre na altura de seus atores e dificilmente abria o quadro. Entretanto, em “Red River”, ele se reinventa, abusando de belíssimos planos gerais que reforçam o tamanho da missão de Dunson e sua trupe. A beleza das paisagens é enaltecida, no entanto, há de se elogiar o trabalho de um diretor que vai além, conseguindo destacar o que está no centro, não ao redor. A quantidade de pessoas e, principalmente de bois ali presentes é tão impressionante, que ficamos em dúvida do que observar. Em determinada cena, um estrondo faz com que os animais, nervosos, fujam.

Hawks poderia simplesmente contemplar o desastre, mas faz questão de apresentar ao espectador diversos pontos de vista. Os ângulos baixos e planos fechados nos colocam no meio do caos, experimentando uma desconfortável sensação de claustrofobia – a tela quase nos pisoteia.

Em outra sequência, o grupo precisa atravessar um rio e Hawks, novamente, mostra porque é um gênio. Sua variação de ângulos, indo de um plano geral a um fechado, passa a sensação de exaustão e dor sentida pelos personagens. Ele chega a posicionar a câmera atrás de Groot, que comanda a charrete, admitindo que o espectador está convidado a participar daquela aventura.

“Red River” é um filme de proporções assustadoras e já seria espetacular se limitando apenas a esse aspecto.

Assumir a solidão leva tempo e o protagonista, de certa forma, se transforma na personificação do “Oeste Selvagem”, sem segundas chances e afabilidade. Seu único intuito é transportar milhares de bois. Necessidade humanas, como, por exemplo, beber água e tomar banho são deixadas de lado. As mudanças bruscas de tempo – chuva e sol escaldante – não são suficientes para pausas, que ocorrem somente no horário das refeições e de dormir. Os mantimentos se esvaem e quem abrir a boca não será escutado e está sujeito a punições. O responsável pelo estrondo mencionado é salvo por Matt e aqueles que decidem abandonar a missão são brutalmente mortos, afinal, assinaram um contrato de fidelidade. Dunson é um tirano, um homem amedrontador e descontrolado que não mede o tamanho de suas ações. Ele só critica, ataca, cobra e desvaloriza opiniões contrárias. A reza ganha a conotação de desesperança, um ritual banal, repetitivo e simbolicamente apodrecido. Sua amargura está na feição, na forma indiferente que passa a olhar para o filho. Dunson não é um monstro, é uma vítima do meio que habita e o seu arco passa justamente por reencontrar essa humanidade perdida.

Matt, em contrapartida, é um jovem otimista, empático e sensível, que se preocupa com cada colega e desaprova os métodos agressivos do pai. O conflito é gradativo, exposto a partir de pequenas discussões. Enquanto Dunson só manifesta ódio e raiva em seus gestos, Matt, silenciosamente, demonstra tristeza e decepção. A rivalidade vai além do laço familiar, ficamos diante de um raro e poderoso embate entre o mau e o bem; imposição e afeto. Os Westerns, de modo geral, apresentam e argumentam a favor do herói obcecado, forte e dotado de inúmeros defeitos – um homem que reflete o velho oeste.

Dunson é essa figura e Matt, tudo aquilo que John Ford e outros cineastas sempre desprezaram: o líder sensível e humano. Se o Missouri deixa de ser a preferência da maioria, que a travessia se direcione ao Kansas; se alguém fugiu ou roubou algo, que pague por seus atos e retorne melhor. Ao notar que o protagonista deixou de ser um líder, um pai e uma pessoa minimamente razoável, ele toma a dianteira e o expulsa.

“Eu vou matá-lo. Vou alcançá-lo. Não sei quando, mas vou. Toda vez que se virar, pode esperar por mim…”

O herói western mitificado nas telonas não se afetaria com tal ameaça, no entanto, a melancolia de Matt é palpável, o que não o torna menos imponente, corajoso e digno, pelo contrário, mostra um lado desconhecido do oeste selvagem. Ele é jovem, sua pureza segue intacta e é ela que leva o grupo ao sucesso.

No fim, a travessia pouco importa, aguardamos o embate entre pai e filho, gerações e pensamentos distintos.

No caminho, Matt conhece Tess em um duelo contra índios. A princípio, conturbada, a relação rapidamente se fortifica. Matt treme de medo, não quer morrer e se assusta ao ser abordado no escuro pela moça. São detalhes assim que o tornam surpreendentemente relacionável.

Dunson vai pelo mesmo trajeto e, ao encontrar Tess, é pego de surpresa pela sua fala – idêntica à de Fen quando ele a deixou. O protagonista, pela primeira vez em anos, se via no filho e se emocionava. A diferença entre os grupos é muito evidente: um festeja e esbanja ânimo, o outro emula a sisudez de seu líder.

Os dois finalmente ficam frente a frente e Matt encara a situação com muita tranquilidade – se livrou de um fardo revendo a amada, oportunidade esta que o pai não teve -, aceitando seu destino. A luta é corpo a corpo e, inicialmente, me lembrou uma cena de “Rocco E Seus Irmãos”, na qual o protagonista deixa Simone espancá-lo. O mais fascinante aqui é a coerência de Hawks em relação à sua filmografia. Quem transforma o homem é o amor, é a mulher. A interferência de Tess reconfigura a essência de Dunson, que via naquela relação o amor que nutria pela falecida esposa. Sua última demonstração de carinho pelo filho é simbólica e cria uma fascinante rima com o início – agora ele era digno de tal honra…

A fotografia é deslumbrante, fundamental para dar diferentes texturas e sensações ao filme, indo do mormaço à escuridão. A travessia é extensa e complexa, perfeitamente compreendida pela equipe. A névoa aparece como um elemento de perigo e a poeira salienta a aridez dos ambientes.

Hawks sabe quando precisa tirar algo a mais do rosto dos intérpretes, seus close ups são precisos, nunca gratuitos. O único momento em que há de fato uma dinâmica verbal e visual entre pai e filho é justamente no fim – plano conjunto em que um sorri para o outro. Em nenhuma outra cena Hawks enquadra os dois de tal maneira; quando estão lado a lado, tem mais alguém ou uma certa rispidez no ar.

A montagem, especialmente na sequência da fuga dos bois, é extremamente eficiente e a trilha conversa com a proposta grandiosa do cineasta.

John Wayne está ótimo no papel de Dunson. Somente ele seria capaz de dar vida a um personagem tão duro, intimidador e violento. O ator confere uma elogiável complexidade ao protagonista em uma interpretação repleta de nuances e gestos que ressaltam, simultaneamente, sua ignorância e sua dor.

Montgomery Clift oferece uma bela e contida performance. Seu poder de liderança é evidente, mas é a sua ingenuidade que realmente engrandece o personagem. O contraste entre a pureza que leva um grupo ao sucesso e a inocência de um jovem que sente falta do pai e admite a inexperiência para negócios. Seu rosto era expressivo como poucos.

“Red River” é o Western definitivo.

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