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Sam Deeds, xerife de uma pequena cidade do Texas, encontra um esqueleto humano enterrado numa zona inabitada. Ele descobre que se trata dos restos de Charlie Wade, um antigo e temido xerife local. O protagonista, então, segue em sua investigação, montando um quebra cabeça de difícil resolução.

“Lone Star” parece algo, sustenta sua aparência e surpreende o espectador, que, ao subir dos créditos, percebe que não estava diante de um filme cujo foco é o suspense, mas as complexas e diferentes relações entre os personagens.

O Texas foi um estado erguido à base de sangue, preconceito e mistérios. Na escola, os pais querem que seus filhos saibam basicamente quem venceu e quem perdeu, não que tenham uma visão ampla e rica sobre a disputa por terras. Por mais que os tempos tenham mudado, esse não é o tipo de coisa que se esquece. Os brancos, os negros e os mexicanos reconhecem o lugar que ocupam na história.

Wade era um assassino impiedoso que matava imigrantes por prazer e se colocava no meio de qualquer negócio lucrativo. Todos o obedeciam cegamente, temendo pelas próprias vidas. Os mais ousados e rebeldes eram eliminados ou “devidamente” punidos. O Texas nunca se livrou de sua herança, e com Wade no poder, caminhou significativamente para trás.

Correto e honesto, Sam retornou à sua cidade natal e não gosta de seu cargo. Ele sabe que os mais poderosos não o respeitam inteiramente e que são, majoritariamente, interesseiros. As ruas parecem seguras e tranquilas, no entanto, o protagonista desconhece os segredos mais obscuros do local e se sente um tanto escorado. Wade era a morte e Sam está em busca de quem a matou. Por que? O principal suspeito é o seu falecido pai, que sucedeu o “esqueleto” no cargo de xerife.

Buddy Deeds é tratado pelo povo como um herói, uma espécie de lenda e, a partir de diversos relatos, sua mitologia é meticulosamente construída. Ele mal aparece, mas ganha vida no consciente do espectador, o que é mérito do excelente roteiro. Sam nunca gostou do pai e sempre que escuta algum elogio em relação a sua pessoa, concorda ironicamente. Os detalhes maiores por essa desconfiança não são importantes, sendo aquilo que o protagonista desconhece o fundamental para que entendamos quem Buddy realmente foi.

Um lorde se comparado a Wade, o pai de Sam era dono de uma retórica convidativa e falsamente bem-intencionada. Sim, ele promovia a abertura de estabelecimentos ilegais e diminuía a pena da maioria dos prisioneiros, todavia, à sua maneira agradável, obtinha inúmeros benefícios e lucros. Buddy desviava dinheiro da cidade e se quisesse um terreno, encontrava uma forma de desabrigar as famílias lá estabelecidas. Em determinado momento, um mexicano relata que o ex-xerife, em vez de prendê-lo, o colocou para trabalhar em um de seus projetos pessoais. O humilde senhor exalta a deliciosa comida preparada pela mãe de Sam, que nota o óbvio. Seu pai usava o senso de inferioridade de negros e mexicanos para transformá-los em escravos.

O protagonista carrega o fardo de usar no peito a mesma estrela desse homem, de ser alvo de recorrentes comparações e quer desmascará-lo.

Sua casa não tem cores, quadros ou fotos, é o retrato de um sujeito solitário e melancólico. Pilar, professora de história e amor de Sam na juventude, é a verdadeira razão de seu retorno ao Texas. Ela afirma não ter tempo para romances, sendo, na verdade, uma desculpa para não admitir sua desesperança em ter uma vida minimamente alegre. O reencontro é a chave para o sucesso de Sam e é belo sem exageros. A cena da dança, por exemplo, poderia ser brega se a direção de John Sayles não fosse tão precisa. O vermelho – presente nos trabalhos de direção de arte e fotografia -, que ressalta a brutalidade, ganha também as conotações de paixão e desejo. Acima de qualquer “ambição”, o protagonista quer ser feliz.

Mercedes, mãe de Pilar e dona do café “mexicano”, não admite que seus empregados falem espanhol. Ela denuncia os imigrantes ilegais, até topar com uma situação idêntica a sua quando era jovem. Sua mente foi infectada pelo preconceito americano. Sua bela casa, somada a uma importante revelação, salientam o porquê dessa mudança de pensamento.

Conhecido por todos, Otis é dono do principal bar. Seu filho, Del, é coronel do exército americano e, ao que tudo indica, sobe de patente para extravasar a frustração e a raiva que sente do pai, ausente em sua vida. O rigor é um sintoma da falta de amor, de um homem incompleto que repete os erros do progenitor na criação do filho, impondo suas aspirações. A casa é uma extensão do quartel, Chet está sempre acuado. Não é numa conversa que Del decide dar uma segunda chance a Otis, mas ao se deparar com um enorme mural na casa do pai com suas honrarias. Mesmo distante, ele o acompanhou e o amou. Erros não justificam erros e gestos assim dão importantes cliques em nossas mentes.

A montagem, além de transitar perfeitamente entre os núcleos e formar um painel fascinante, utiliza flashbacks para contextualizar certas situações e enriquecer laços. A cada retorno ao passado, algum personagem se torna mais complexo e rico. É como um jogo de encaixe, no qual nenhuma peça fica faltando. John Sayles não opta por fusões, flutuando entre diferentes espaços temporais através de travellings e panorâmicas. Ou seja, num único plano, ele vai e volta. Sua movimentação de câmera confere elegância e agilidade à narrativa.

Seu talento para construir suspense é incrível. O vermelho intenso, a câmera lenta, o plano subjetivo, o quadro fechado e um simples movimento de Chet nos levam a crer que ele irá matar alguém. Um tiroteio se inicia, entretanto, não onde imaginávamos.

O ângulo holandês, a trilha sonora, o plano-detalhe de uma arma e os close ups tornam o “clímax” inacreditavelmente tenso. Claro, o impecável timing da montagem, que concilia tais artifícios para gerar esse efeito, não pode passar batido.

Em um filme sobre poder, Sayles usa bem contra-plongées e plongées para fomentar relações.

Chris Cooper oferece uma performance equilibrada e contida. A bondade está em sua fala calma e nos trejeitos que denotam tranquilidade. No primeiro passeio com Pilar, em meio a natureza, num lugar simbólico para o casal, Sam tira o chapéu, como se estivesse negando seu cargo e assumindo o vazio – um gesto sutil e grandioso de Cooper.

Matthew McConaughey tinha a difícil missão de encarnar um mito. Ouvimos muito sobre Buddy, mas o vemos pouquíssimas vezes. A lenda é real, o ator nos convence.

“Lone Star” pinta um importante retrato sobre os Estados Unidos e é empático com todos os seus personagens.  

“O sangue é o que você aceita”.

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