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“Não há solidão maior que a de um samurai. A não ser talvez aquela de um tigre na selva. Talvez…”

Esse fragmento caracteriza o protagonista tão bem quanto a fotografia e a direção de arte, que optam por tonalidades frias. Seu quarto é completamente escuro, marcado por paredes decadentes e uma forte melancolia. O filme inicia com um longo plano desse ambiente, no qual a câmera fica praticamente estática, dando ao espectador a oportunidade de observar e entender quem é aquela figura. Não há ninguém na casa, além de um passarinho que não sai de sua gaiola – único amigo fiel de Jef.

A não ser por seu canto, o único rastro de vida é a fumaça que sai do cigarro do protagonista, que ressalta o perigo que o circunda e sua natureza misteriosa. Logo de cara, o diretor cria um paradoxo, mostrando, simultaneamente, nada e tudo. Não vemos muita coisa e é exatamente esse o ponto. Paris nunca esteve tão fria, tomada por tons azulados e acinzentados, presentes também nas paredes do escritório dos policiais e do apartamento do “rival” de Jef.

Jean Pierre-Melville demonstra um cuidado monstruoso com sua obra, enfatizando rituais e situações que a maioria dos cineastas retratam corriqueiramente. O protagonista veste o sobretudo e o chapéu com calma – há um certo charme em suas ações, que revelam mais do que imaginamos sobre sua personalidade. Ele rouba um carro, pega o seu chaveiro “infinito” e dirige até a oficina onde as placas são trocadas. Jef é pago para matar pessoas, no entanto, o foco não está na ação em si, mas na minuciosa preparação, que vai do álibi perfeito ao cuidado ao colocar as luvas. Se alguém coloca uma escuta em seu apartamento, acompanhamos o processo inteiro e depois a busca do protagonista pelo pequeno objeto, que pode estar em qualquer lugar. A abordagem de Melville vai na contramão de algo grandioso. Seu intuito é captar com extremo realismo e elegância o trabalho de seres do submundo parisiense e realizar um profundo estudo de personagem. Os estrondos das armas dão espaço a um silêncio calculado e enervante. Não esperem por um suspense eletrizante e hiperativo, “Le Samouraï” é um exercício contemplativo e genuíno sobre o que tínhamos certeza que conhecíamos.

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