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Na pequena Hickory, em Indiana, Norman Dale chega para ser o novo técnico do time de basquete da escola local. Seu passado obscuro e experiência na marinha fazem dele, a princípio, uma figura enigmática. Acostumados com treinos básicos e uma preparação medíocre, os jovens se deparam com estratégias e uma rigidez incorruptível. Quem não estiver a fim, que se retire. A culpa não é dos atletas, seus superiores são donos de mentes fechadas. Novidades não são bem-vindas e a cena em que Dale é introduzido a todos, em uma pequena sala lotada, resume perfeitamente o quão difícil será o seu caminho. Ele tem suas convicções e não as nega, preferindo manter o time em desvantagem numérica do que com alguém que não seguiu o plano de jogo. Após a primeira partida, o técnico fica encostado na porta do vestiário, o que ressalta a distância entre ele e o time. O roteiro é delicado ao balancear o amadurecimento dos personagens. Jovens têm a tendência a enxergar tudo de maneira individualista, diminuindo o outro para alimentar o próprio ego. Separadamente, quase todos os jogadores são talentosos, no entanto, o basquete é um esporte coletivo, como Dale diz: “o time forma uma única unidade”. Um dos atletas é fraquíssimo e, em vez de apoiá-lo, os colegas reafirmam e riem de sua inabilidade. A cidade vazia e cinzenta reflete o ginásio. Falta comando, alguém que os tire da zona de conforto, apresente lições e o verdadeiro valor do esporte. Jogar eles sabem, só precisam ser uma equipe e é isso o que acontece. Empático, o roteiro não se esquece de ninguém, trata os personagens com carinho.

Everett tem vergonha do pai, não gosta de vê-lo e não acredita que ele mereça uma segunda chance. Alcoólatra, Shooter foi um jogador de sucesso na escola e personifica a desesperança em torno dos habitantes de Hickory. Não adianta ser bom, ninguém vai àquela cidade e você é simplesmente esquecido. Seguir em frente não é fácil e a vida se transforma numa crônica exaltação ao passado, sem progresso ou alegria. Dale tenta recuperar Shooter, o coloca como assistente técnico e Dennis Hopper oferece a performance mais tocante de sua carreira. Convenhamos que interpretar um bêbado não é novidade para Hopper, o que torna sua caracterização especial é a força de vontade para tentar sair desse buraco. Por um breve momento, ele sorri e “vence”, mas a briga é dura e a honestidade do ator e do roteiro são elogiáveis. Everett passa a enxergar um homem lutando contra seus piores demônios, tentando se levantar de uma queda tempestuosa e dedica a última vitória ao pai.

Dale é talentoso, mas ignora a regra dos quatro passes e é retirado da quadra. No jogo seguinte, é o primeiro a defender o técnico, socando o adversário no rosto. Redenção é a palavra chave aqui, todos têm o seu momento e provam que amadureceram. Dale está longe de ser uma figura infalível e corrige sua postura cega, expandindo suas convicções sem ignorá-las. Um time colegial não é o exército, os jovens não aprenderão a partir de uma imposição incontestável. Se os jogadores não podiam abrir a boca durante o tempo técnico no início, no fim, Dale escuta e abraça as sugestões, acompanhando o entendimento dos garotos em relação ao funcionamento de uma equipe – a opção por um contra-plongée nessa cena se mostra um acerto do diretor, que salienta o “tamanho” dos jovens e a relação singular que estabeleceram com o líder. O protagonista ama o seu time, a unidade e os indivíduos.

A mensagem sobre companheirismo, empatia e respeito é inspiradora e lindamente passada, fugindo da habitual redundância que atrapalha “filmes de esportes”.

Barbara Hershey dá vida a Myra Fleener, uma professora séria e hostil que cuida de Jimmy, o melhor jogador da escola, traumatizado pela doença da mãe e a morte do pai. Ela sabe o que acontece com os “Deuses do basquete” e não quer que seu protegido seja o novo Shooter. Entretanto, essa decisão sai de suas mãos quando o tímido Jimmy não só decide jogar, como também garante o emprego do protagonista. No fundo, Fleener e Dale se parecem, são igualmente solitários e escondem esse vazio através de um comportamento que se tornou natural. Há espaço para o amor também, fundamental para o desenvolvimento de ambos os personagens.

O diretor David Anspaugh entende a dinâmica do basquete, mantém a câmera dentro da quadra, no nível dos jogadores, deixa a ação nítida e aprecia sua plasticidade a partir do uso de câmera lenta. O fato dos atores praticarem o esporte engrandece a experiência. O plano sequência que precede a primeira partida é visualmente extraordinário e reflete a tensão do protagonista, que se vê contra a parede, precisando apresentar resultados.

Os planos gerais apresentam belas e frias paisagens. O vazio e o silêncio das ruas dizem muito sobre a condição daquelas pessoas. A fotografia contribui para a concepção de uma atmosfera soturna e congelante. O cinza cobre o ambiente. A imagem do sol se pondo entre as nuvens cavernosas é bem expressiva e serve para corrigir Fleener, que havia dito que o basquete era apenas um jogo. O esporte traz esperança, valores, alegria e une a multidão.

A direção de arte dita a trajetória do time a partir da magnitude das quadras, indo do simples ginásio ao estádio colossal da final.

A montagem é dinâmica, dá uma agilidade notável ao filme, que nunca perde o impacto. Nas cenas de “ação”, confesso que fiquei preocupado com uma possível intrusão, contudo, para a minha surpresa e satisfação, os cortes não distraem o espectador, acentuam a temperatura do jogo e apresentam diferentes pontos de vista.

A trilha sonora é perspicaz, sabe como ganhar nossos corações com batidas dramáticas e gerar tensão em momentos oportunos.

Gene Hackman é a alma do filme, esbanjando humanidade, simpatia e compaixão. Sua composição exige uma boa dose de rigidez. Dale briga com juízes – o esporte é exposto em sua totalidade – e o ator captura todas as características com a maestria que lhe é peculiar.

Eu conhecia a reputação de “Hoosiers”, mas não fazia ideia de que estava diante de uma obra prima tão divertida, encantadora e importante.

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