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Greta acabou de se mudar e não tem amigos na nova escola. A verdade é que ela não se reconhece, sente que alguém invadiu o seu corpo. A transição para a adolescência é dura para alguns e “Girl Asleep” utiliza vários artifícios para ressaltar a angústia da protagonista.

A razão de aspecto reduzida; a posição dos personagens que a cercam; os close ups que revelam um rosto retraído e apavorado; o quadro que se fecha, criando uma sensação de claustrofobia. Além destes recursos, repetidos ao longo da trama, a diretora estreante Rosemary Myers estende seu repertório, quando, por exemplo, usa a câmera lenta para enfatizar e prolongar o sofrimento e ao focar no cobertor através de um plongée que remete a uma camisa de força.

Elliot é o único que se aproxima de Greta. Igualmente solitário, ele não poderia ter uma personalidade mais diferente. Extrovertido, o jovem tem uma característica irritante: não respeita o silêncio, sempre que alguém fica quieto, opta por dizer algo, por mais insignificante e chato que seu comentário seja. É um sintoma de sua solidão e genuína vontade de solidificar laços. Quando se conhecem, Myers fecha o quadro, dessa vez, para salientar a rápida intimidade e a rara amizade que desenvolvem.

Um grupo de irmãs intimida Greta e a obriga a fazer parte do clã. Elas não são simpáticas, a pressionam e, em nenhum momento, demonstram um mínimo interesse em acolhê-la. As paredes em tons frios do banheiro dizem muito sobre aquele contato.

A protagonista está na fase de potencializar qualquer situação, ou seja, a abordagem de Myers é empática e honesta. Tudo o que é dito, feito e pensado é levado a sério. A opinião alheia ganha uma importância desproporcional à realidade e, em vez de crescer, Greta se encolhe em seu universo particular.

Seus pais, inegavelmente amorosos, ficam em êxtase ao conhecerem Elliot e logo planejam uma festa de aniversário. Eles reconhecem a condição da filha e fazem de tudo para alegrá-la, podendo, às vezes, passar do ponto. Greta tem medo das pessoas, não tem motivos para celebrar e aceita a festa apenas para satisfazer sua inconstante mãe. O design de som faz a campainha ecoar e o plano-detalhe da vitrola determina que chegou a hora de se expor. Até mesmo um vestido é intimidador para a protagonista, que não quer ser vista ou notada. O objeto que ela mais valoriza é uma caixa musical que ganhou na infância.

As tais irmãs surgem e humilham Greta de uma maneira tão infantil, que ficamos nos perguntando se realmente já passamos pela fase de valorizar tais provocações. Um simples olhar é passivo de julgamentos severos. A situação é insustentável e a cineasta transmite essa dor a partir de escolhas narrativas precisas e de uma trama que surpreende em seu desenvolvimento. Sua energia é inteiramente descarregada no pobre Elliot, que, ao se declarar, é insultado de diferentes formas.

Após um curto circuito, Greta adentra a caixa mágica, fundamental em seu arco. Ela corre atrás do ser que roubou o objeto e se depara com uma floresta sinistra, dominada por árvores grandiosas, uma escuridão enclausurante e pela misteriosa fumaça. Seu pai, sua mãe e outros conhecidos estão lá, tendo assumido uma forma animalesca. A protagonista precisa fugir, se desvencilhar da natureza e de suas bizarras criaturas. Os toques de horror e as figuras bizarras adicionam contornos interessantes ao filme, que ganha força em seu desfecho.

A floresta representa a transição, sua atual vida. Atravessá-la significa, no fundo, amadurecer, expurgar seus fantasmas e entrar em contato com sua nova personalidade – o autoconhecimento em um formato lúdico.

A sequência que salienta sua transformação é aquela em que as irmãs, que latem feito cachorros ferozes, são derrotadas por Greta, que não se esconde. Palavrões e golpes desferidos partem de uma defesa consciente. O animal que havia roubado a caixa musical reaparece e tira a fantasia. Era Greta criança, a versão que ainda tomava conta de seus instintos e emoções. Ela está lá para se despedir, agradecer e reforçar a importância de seguir adiante.

Genevieve, sua irmã, que aparentava ser somente uma garota implicante, diz coisas importantes, é a única que compreende sua situação.

Madura e decidida, Greta retorna à festa. O plongée e as “cercas” humanas, marcas do incompreendido sofrimento da protagonista, mudam de conotação na última sequência. Ela está rodeada de amigos, afeto e confiança.

A direção de arte merece elogios por transitar perfeitamente entre o real e a fantasia, concebendo um universo que conversa com a mente imatura e conturbada de Greta.

Harrison Feldman é estranhamente engraçado. Sua peculiaridade me fez lembrar dos personagens de Wes Anderson e sua inconveniência, dos de Todd Solondz. Todavia, a doçura de Myers o torna realmente único.

Bethany Whitmore oferece uma performance minimalista – praticamente tudo está em seu rosto. Sem que uma palavra seja dita, sentimos a profunda angústia de uma jovem perdida. O clique que a atriz dá em si para mudar significativamente no fim merece elogios, ainda mais considerando o trabalho físico requerido por seu arco.

“Girl Asleep” é curto e eficiente.

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