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Sam Cahill é um cidadão exemplar. Pai carinhoso e marido amoroso, ele ainda orgulha o seu país servindo o exército com um raro poder de liderança. Seu irmão, Tommy, em contrapartida, acumula problemas, já foi preso algumas vezes e não consegue se encaixar na sociedade. Seu relacionamento com o pai, Hank, que não cansa de constrangê-lo e de compará-lo com Sam é o pior possível.

Tommy é imaturo e impulsivo – seus modos na mesa denotam um profundo desconhecimento do comportamento humano –, quer fazer a coisa certa, mas parece destinado ao fracasso, pelo menos é isso que ele acredita.

A princípio, a alta demanda e falta de cuidado de Hank soam vir de um homem realizado, o que não é verdade. Após a Guerra do Vietnã, ele se tornou um alcoólatra, descontando sua raiva na esposa e nos filhos. O orgulho que sente de Sam advém da percepção de suas falhas. Hank sabe que não fez o suficiente pelos seus entes queridos e ver o seu primogênito obtendo sucesso na sua mesma área é uma espécie de alívio. Em vez de assumir esses erros, covardemente, ele atribui o “insucesso” de Tommy exclusivamente a sua personalidade.

A situação se inverte quando Sam, em uma missão no Afeganistão, após um acidente de helicóptero, é dado como morto. Enfrentando o luto, Grace é consolada pelo irmão do marido, que faz uma obra em sua cozinha e diverte suas filhas em um momento difícil. O roteiro não é preguiçoso nem gratuito, a relação entre os dois cresce na medida em que um ajuda o outro a “progredir”. A tensão sexual é notável e chegamos até a aceitar um envolvimento, que nunca é consumado. Grace é a personagem chave da história. Sam se sente em casa no exército, ama o que faz e se não fosse por sua esposa, ele seria apenas um sujeito preso a um universo dominado por violência, crueldade e adrenalina. Ela o coloca em contato com a realidade, despertando a humanidade que a farda jamais lhe traria. Ainda que de maneira completamente diferente, Grace é a responsável pela redenção de Tommy, que deixa a bebida e as confusões de lado. Sua atenção se volta ao trabalho e ao afeto que aquelas crianças necessitam. O mais fascinante e que vai ao encontro da discussão principal do texto, é que Grace o detestava antes de conhecê-lo profundamente.

Eis o problema: Sam não morreu, foi capturado e aprisionado pelos afegãos. Seu cativeiro é minúsculo, porém, como capitão, mantém a firmeza, que, gradativamente, se esvai, dando espaço a alucinação. O ponto de virada é justamente quando ele é obrigado a matar friamente o seu colega.

Sam e Tommy não são mais os mesmos, parecem ter invertido os papéis. A frieza que fazia do protagonista um excelente oficial e que se restringia às suas missões, toma conta de sua personalidade. Ele não é mais carinhoso, muito menos amoroso, diz coisas estranhas e dificilmente muda sua expressão facial. Traumatizado pela terrível experiência, Sam projeta seus sentimentos destrutivos no irmão e na esposa, que, em sua cabeça, se apaixonaram enquanto esteve fora.

“Brothers” é, simultaneamente, um estudo pungente sobre os efeitos do horror de uma guerra e um filme que conduz arcos “opostos” e igualmente empáticos. Tommy não era um monstro, só precisava do apoio e das ferramentas certas para que seus reais valores – afeto, compaixão e honestidade – fossem potencializados. Sam também não é uma aberração por não conseguir expor suas aflições, se afastar de quem ama e agir agressivamente. Sua dor é compreensível e para sair de tamanho buraco, ele precisa de ajuda, assim como seu irmão. Tommy não virou uma pessoa “perfeita”, o que Sam também nunca foi – seu extremo apego ao exército denota uma certa introspecção. Demônios internos já o incomodavam. O roteiro enxerga o potencial máximo de seus personagens, não exige o inviável e reconhece os limites da individualidade humana.

O experiente Jim Sheridan não se intromete muito, deixando o show para os intérpretes. A distância entre Tommy e Hank dentro do quadro é bastante reveladora. Seus close-ups são especialmente poderosos na sequência em que Sam executa seu colega e no jantar que sucede o clímax, que impressiona pela agilidade e gradual tensão gerada pelos cortes constantes – a sensação é de que uma bomba está prestes a estourar. Nessa cena, também destacaria a posição de Sam na mesa. O protagonista não se senta na cabeceira – como na primeira refeição -, não tem condição de “comandar” nada.

No auge de sua estranheza e imprevisibilidade, Sheridan utiliza um contra-plongée – imponência – para enfatizar o medo que ele desperta na filha.

A montagem é fundamental na diferenciação das fases dos personagens e por quebrar a expectativa do espectador. Preso, Sam se vê diante de um universo perturbador e desesperançoso, tomado por frieza e espaços claustrofóbicos. Não à toa, em determinado momento, Sheridan o coloca no canto do quadro, ressaltando sua fragilidade.

A fotografia opta por tons frios, os tornando mais ou menos intensos. Obviamente, Sam está mais associado à escuridão, todavia, ainda no início, percebam que o bar que Tommy frequenta é marcado pelo vermelho.

Jake Gyllenhaal reafirma o seu talento e carisma para que Tommy seja um sujeito interessante.

Natalie Portman merece elogios por ser o centro da “equação” e segurar as pontas, ao mesmo tempo em que precisa se conter emocionalmente – e muitas vezes não consegue. Ela faz de Grace uma mulher forte e exausta; apaixonada e solitária. Sua composição está inteiramente em sua expressão física e em seus olhares.

Dito isso, Tobey Maguire rouba o filme para si. É uma pena que sua interpretação não seja tão reconhecida e enaltecida. Sam é um homem feliz e atencioso sem exageros. Sua entonação vocal combina brilhantemente com as feridas que esconde e o genuíno amor que nutre por sua família. Maguire vai da sutileza à catarse, atinge extremos com naturalidade e constrói um personagem trágico, atormentado por uma dor inimaginável e que precisa, de alguma forma, voltar a ser o que era antes. Será que ele se lembra? Será que consegue?

“Poderei viver novamente?”

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