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“The Witches” foi a incursão de Nicolas Roeg no cinema infantil. Aos vinte e três anos, eu não me recordo de nenhuma obra dessa natureza que tenha tido um efeito tão grande em mim. Os filmes devem nos fazer sentir coisas, provocar emoções fortes e contrastantes.

Helga, avó de Luke, conta uma história sobre sua melhor amiga na infância, capturada por bruxas que a colocaram dentro de um quadro. O ser humano e o espaço que o circunda transformam a imagem da garotinha presa numa tela em algo claustrofóbico e aterrorizante. Não é mentira, Helga não quer assustar ou colocar o neto para dormir, é um fato que ganha contornos mais interessantes na medida em que a trama se desenvolve. Na mesma noite, os pais de Luke falecem e sua avó passa a ser oficialmente sua “guardiã”.

Os dois ficam um tempo num hotel, onde, por acaso, uma convenção de bruxas estava prestes a acontecer. Elas evitam qualquer exposição, se vestem elegantemente e usam máscaras bem realistas. As luvas, os olhos roxos e trejeitos particulares são as principais pistas para desmascará-las. As bruxas simplesmente detestam crianças – o jeito, o cheiro, absolutamente tudo – e desejam transformá-las em ratos a partir de uma fórmula mágica. Ironicamente, elas usam como fachada para seus planos maquiavélicos uma “sociedade contra a violência infantil”.

A sala destinada às “senhoras” é inteiramente vermelha – denota intimidação e perigo – e, assim que a porta é trancada, elas retiram suas fantasias, apresentando suas reais e horripilantes faces. O destaque, obviamente, vai para Anjelica Huston, que, além de oferecer uma performance poderosa através de seu olhar penetrante, imponência física e sotaque ameaçador, é dona de uma das caracterizações mais medonhas da história da sétima arte. Os efeitos práticos e a maquiagem merecem inúmeros elogios – sem os excepcionais trabalhos das equipes, o filme não seria a mesma coisa.

Eu não tenho dúvidas de que Roeg traumatizou uma legião de crianças com aqueles rostos e corpos deformados. Ele não para no horror físico, submetendo os jovens a assistirem Luke, o herói da história, e Bruno, seu simpático e guloso amigo, a passarem por um tortuoso e visualmente impressionante processo de metamorfose. Eles viram ratos e precisam encontrar Helga. A melancolia é inegável ao vermos crianças aceitando seus novos formatos, obrigadas a abandonarem a melhor parte de suas vidas. “Quanto tempo um rato vive?”, pergunta Luke. Dessa forma, Roeg concilia horror, drama e pureza em um filme que constantemente bagunça o emocional do espectador, que sente uma enorme empatia por ratos.

O cineasta abusa de planos subjetivos e ângulos baixos, nos colocando na perspectiva dos roedores. Tudo é grande e ameaçador. A sala principal e a cozinha parecem campos de tortura – cada passo pode ser fatal.

Um fato importante não mencionado e que muda completamente a nossa percepção em relação aos ratos é que eles têm as vozes de Luke e Bruno.

A câmera na mão cria uma importante desorientação que engrandece o poder das bruxas perante os “normais” e Roeg, ainda que fora de sua zona de conforto, concebe imagens alucinógenas muito ligadas ao verde – magia e mistério. A montagem assume uma função narrativa similar, potencializando a tensão e solidificando os truques das vilãs.

O final não poderia ser mais satisfatório. Os principais inimigos do luxuoso hotel eram os ratos e, graças ao plano bem-sucedido do trio central, todas as bruxas “provam do próprio veneno”, inclusive a “mãe de todas” (Huston), cuja transformação é nauseante.

O humor é ocasional e eficiente. Quando o concierge interpretado por Rowan Atkinson pede para seus funcionários pegarem os ratos, ele não faz ideia de que está falando de metade do hotel.

Tenso, assustador e doce em boa parte de sua duração, “The Witches”, nos últimos minutos, deixa o espectador numa difícil situação de aceitar uma tragédia. “É o nosso Bruno”, afirma o pai mesquinho do garoto em uma bonita cena.

Luke enxerga o lado positivo da nova vida em um desfecho que nos deixaria com um gosto agridoce na boca. Até que a única bruxa do bem surge e reconstitui a forma humana do garoto, em mais uma cena imageticamente poderosa. Ela não usa luvas e sorri, a magia é subvertida em seus últimos instantes. “The Witches” não deixa de ser emocionante e belo, só ganha um justo tom otimista que faz com que o espectador, inconscientemente, abra um sorriso.

Este foi o último filme que assisti de Nicolas Roeg e, sinceramente, após mergulhar em uma carreira tão original e distinta, não esperava muito de “The Witches”. Eu estava errado, Roeg pode escolher qualquer gênero e realizar uma obra prima. 

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