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Walter Gibson está prestes a ingressar na faculdade e tudo que consegue pensar é em sexo. Na última festa da escola, ele se aproxima das garotas e repete a cantada de sempre sobre astrologia, obviamente sem sucesso.

Na universidade, uma professora discorre sobre “a experiência da vida”, sem despertar a atenção do protagonista, que está voltada para Alison, sua colega de sala por quem nutre interesse sexual e impressiona pela rigidez. Ela planeja o futuro, tem um namorado monótono e analisa tudo de forma objetiva e cerebral.

Suas roupas formais e cinzas conversam com a sua personalidade, assim como as de Walter – despojadas. Alison tem pôsteres de James Dean e Paul Newman em seu quarto, ícones de uma juventude rebelde e pulsante. Talvez tenha sido induzida a se comportar friamente. Não é nada simples decifrá-la, ela se fecha como um cadeado, presa a essa persona meticulosamente estabelecida.

Walter vive despreocupadamente, o que, por um lado, é elogiável, afinal, se existe um momento para se divertir, é este. Em contrapartida, não podemos negar que a sua imaturidade é um tanto preocupante, não por falta de foco, mas por demonstrar uma incapacidade para sentir emoções complexas e se abrir. Temos extremos: Alison é demasiadamente séria e Walter, bobo e agitado – ambos são vazios.

Seu melhor amigo, Lance, que se mudou para a ensolarada Califórnia, onde se esbalda em festas diárias, o convida para passar uns dias lá, com a garantia de que transaria com uma bela garota. Ela, que dá nome ao título, é “a coisa fácil”, praticamente um negócio. Walter iria até lá, passaria uma noite e voltaria. Qual é o real valor disso? O que importa: a reputação ou o prazer?

Sem dinheiro, o protagonista pega uma carona com um casal voluntário na universidade que, por acaso, também estava levando Alison.

“Que mal tem ser estúpido às vezes?” “Temos de ser sempre sensatos?”

Walter não é um exemplo a ser seguido, mas suas palavras são honestas e têm valor. Alison leva tudo a sério e não enxerga graça em coisas que deveriam lhe alegrar.

Perceber a própria repressão não significa que você precise aparecer nua na janela do carro. “The Sure Thing” se torna um road movie e a decisão não poderia ser mais acertada. A trama se movimenta a partir de situações inusitadas e que obrigam os personagens a se aproximarem. A intimidade é gradativa e genuína. O roteiro os coloca diante de si e daquilo que desconheciam. Alison e Walter precisam um do outro, se complementam sem perderem suas essências, apenas amadurecem e se tornam jovens com algo a dizer.

Eles têm “saídas” fáceis: encontrar Jason e abraçar a monotonia e transar com uma desconhecida não demandam esforço algum. A questão é enxergar as opções e escolher a certa. “The Sure Thing” é praticamente uma atualização de “It Happened One Night”, de Frank Capra. A quantidade de cenas destacadas em minhas anotações é imensa, poucos filmes são tão engraçados, reflexivos e relacionáveis.

Resgatá-la de uma perigosa carona representa o início de uma relação, todavia, Walter demora a se desamarrar da habitual imaturidade, usada como um escudo contra qualquer elogio. A flor e a história sobre as estrelas são suaves, não saem como um band-aid ardente e a feição de Alison, a princípio, fechada e desagradável, apresenta uma meiguice que Jason certamente nunca havia visto. Ela o cobre enquanto dorme, desiste de pegar o ônibus para lhe fazer companhia e não se importa em dividir a cama, confia nele.

O amor não é um escritório ou uma casa na fazenda, nem sexo casual, e o roteiro, diferentemente da grande maioria das produções oitentistas com essa temática, desenvolve lindamente o desabrochar de uma paixão em seu início e concretização.

Quando Jason finalmente aparece, ficamos surpreendidos com o tamanho de sua chatice e a montagem reforça isso brilhantemente, indo de um jogo de cartas enfadonho para uma festa. Rob Reiner pontua o fundamental, não perde tempo em momentos ordinários, não à toa, a “sure thing” pouco aparece.

O espectador talvez foque no beijo final, mas é o texto de Walter sobre as férias que revelam a sua transformação. Ele não tinha mais medo de decepcionar os amigos e de admitir sentimentos. Alison só precisava de uma confirmação.

Os jovens são únicos, mas dividem anseios idênticos e não é uma tarefa simples analisá-los. O roteiro descreve extremos e os une, compreende a maneira de agir e de se comunicar deles.

A fotografia em tons frios diz muito sobre a realidade do casal principal, imersos a uma realidade incompleta, vazia e sem sentido.

Rob Reiner dá espaço para os atores brilharem e conduz sequências absolutamente maravilhosas e emocionalmente distintas. Os close ups marcam a intensidade do trajeto, a aproximação dos dois. Reiner e os roteiristas atingiram um raro grau de maturidade. As cenas nos quartos são de uma delicadeza especial, tocantes por não serem gratuitas ou melosas e não terem qualquer tipo de conotação sexual. Ele utiliza a baixa profundidade de campo – fora de foco – em duas ocasiões. Alison liga para Jason, e Walter, no fundo, se sente deslocado e sozinho. Já no fim, Alison, em primeiro plano, chora e mal escuta o que o namorado tem a dizer, ele não significa mais nada. São momentos rápidos e que me chamaram bastante a atenção pelo cuidado do diretor, que não limita o arco dos personagens a objetividade.

Daphne Zuniga e John Cusack apresentam uma química notável e oferecem interpretações igualmente ricas. Quando Lance diz a Walter que ele não tem moral, fica nítido que aquela amizade se esgotou, o protagonista virou outra pessoa. Os intérpretes desmontam as personas apresentadas. O sorriso de Alison, o jeito mais leve e a entonação vocal receptiva, aliados a timidez, a preocupação e a sensibilidade que se aflora em Walter são a alma desse belo filme. No início da carreira, Cusack já exibia todo o seu carisma, talento para o humor e versatilidade.

“The Sure Thing” é perfeito no que se propõe.

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