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“The Other” é um filme com a cara da década de 70. O horror reside na lenta construção de uma atmosfera que, aos poucos, toma conta dos nervos do espectador. Robert Mulligan, com seu estilo sutil, evita grandes sustos e cenas de violência explícita, trabalhando com a sugestão de que algo muito macabro está acontecendo naquela pequena comunidade. Niles está sempre correndo; sempre se divertindo. Holland, seu irmão gêmeo e amigo inseparável, gosta de introduzi-lo a brincadeiras “pouco apropriadas” – matar ratos não é algo muito saudável. Há algo de estranho na relação daquela família: a mãe dos garotos parece perdida e solitária, a avó tem um ar meio sombrio e os tios são mais acolhedores que os demais. Repentinamente, acidentes bizarros começam a acontecer. Sabemos que as mortes não foram acidentais, e, sim, pensadas por uma mente diabólica. É normal não entender o que os personagens estão dizendo? Por que ninguém interage com Holland? O que é esse “jogo” que a avó tanta cita ao lado de Niles?

Desde o início, temos certeza de que Holland não está vivo e que vive somente na imaginação do irmão. “Anjos não vão para o inferno”, diz o garotinho adorável, de olhos azuis e camisa branca. Os espaços abertos, os girassóis e a natureza dão um aspecto inocente a Niles. Quando torcemos para o mal de uma criança, é porque o diretor nos deu provas suficientes de que estamos diante de um pequeno monstrinho. A montagem, ao pontuar, através de cortes secos, inchadas e objetos cortantes, indica que um personagem está prestes a morrer. A avó, a fim de distrair o solitário neto, que perdeu o irmão, criou uma espécie de jogo sobrenatural. Ela demora a perceber que a tal brincadeira é, na verdade, o despertar do lado maligno de Niles, que usa Holland para realizar crueldades da pior estirpe. O protagonista é, de alguma forma, possuído pelo espírito do falecido irmão ou é naturalmente macabro? O aspecto “sobrenatural” fica no ar, sem maiores explicações, afinal, o grande interesse de Mulligan é gerar dúvida e desconforto no espectador.

O cineasta abusa de close ups no rosto de Niles, questionando a pureza de uma criança. A partir de movimentos sutis e de zooms, Mulligan nos guia a objetos e locais impactantes para a narrativa. O poço não é apenas um poço e aquela boneca que surge no fim não é apenas uma boneca, mas o indício de que algo terrível irá acontecer. O celeiro é onde as sombras surgem e a paz se esvai. Vemos o invisível, aquilo que normalmente passa despercebido, o que gera inquietude e fomenta uma atmosfera sombria. Em um dos poucos momentos no qual Mulligan abre o quadro, observamos Niles conversando sozinho, não com Holland. A avó, então, entende o que está acontecendo e, na falta de opções, precisa tomar uma atitude extrema. A mãe também sabe que algo não soa bem; todavia, ao encontrar o dedo de Holland e o anel que lhe pertencia nas coisas de Niles, é empurrada escada abaixo. O desfecho, impactante pelo pessimismo, é a prova de que um bom filme de terror não depende de truques e convenções baratas, mas de uma direção que nos leve a crer no pior e capaz de nos perturbar sem criar alarde.

Niles Perry não foi a primeira (nem a última) criança maligna da sétima arte. O fato de ser um caso de distúrbios psicológicos decorrentes do luto (ou algo do tipo) torna tudo mais tenso e difícil de digerir. Chris e Martin Udvarnoky, irmãos gêmeos na vida real, estrearam e encerram suas carreiras aqui, oferecendo performances dignas de elogios.

“The Other” não apetecerá os aficionados pelo horror simples e direto. Mulligan foi na contramão do imediatismo e realizou uma obra poderosa.

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