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“The Ides Of March” não é exatamente um filme inovador, outras obras já exploraram o universo invisível e corrupto da política americana, calcado na formação de uma aparência irretocável. O maravilhoso “Mr. Smith Goes To Washington”, de Frank Capra, tinha como protagonista um jovem idealista e ingênuo, apaixonado pela constituição americana.

Stephen Meyers, apesar de dividir semelhanças com Jefferson Smith – o protagonista daquele filme -, conhece os movimentos realizados por coordenadores e o que gera voto. O mais importante numa campanha eleitoral não é promover seu candidato, mas encontrar pontos fracos no concorrente. Stephen prepara pautas e escreve textos para que seu “patrão” os interprete da melhor maneira possível, sendo o conteúdo uma mera formalidade.

Nesse sentido, George Clooney, que também dirige o filme, é a opção perfeita para encarnar Mike Morris, um dos candidatos à presidência pelo partido democrata cuja autenticidade passa por seu charme, carisma e facilidade para cativar as multidões. O protagonista é inteligente e promissor, no entanto, diferentemente de seus colegas, acredita em Morris e nas causas de sua campanha. Se ele é um “jogador”, é porque enxerga no seu candidato a única chance de seu país retomar uma posição mundial de liderança democrática e humanitária. Paul Zara, o único acima de Stephen na estrutura da campanha, pensa apenas na vitória, nos trunfos e nas alianças que devem ser realizadas para se garantir no poder, mesmo que para tal, tenha que se escorar em figuras que vão contra qualquer princípio estabelecido por Morris.

No fim das contas, essa é uma disputa de quem é menos pior, o que, infelizmente, se reflete em qualquer disputa eleitoral. As pessoas nas ruas seguram cartazes e entoam cânticos como se estivessem num estádio de futebol, encarnando a tão comum militância ideológica limitadora do pensamento, que potencializa a polarização.

“Você realmente acredita nessa merda toda? Nessa baboseira de retomar as rédeas do país”, pergunta Ida, uma jornalista sensacionalista, a Stephen. Completamente imerso na campanha, ele não percebe que está rodeado de céticos e mentirosos, pessoas que se contradizem e pensam somente em si.

O protagonista vive para a política, porém não a compreende inteiramente. Empatia e caráter impedem o progresso pessoal nesse espectro, conhecido por abraçar a sujeira. Em algum momento Stephen será traído. Tom Duffy, coordenador do outro candidato democrata, convida o protagonista para conversar e tenta convencê-lo a trabalhar para ele.

Brilhantemente interpretado por Paul Giamatti, Duffy conhece as regras do jogo e os jogadores. Em qualquer situação, sua vitória é garantida. Seu interesse por Stephen é genuíno, todavia, conhecendo a índole do novato, sabe que ele revelará a Paul sobre o encontro e que isso, inevitavelmente, resultará na demissão do protagonista. Duffy é cínico e admite o apodrecimento da própria alma; em contrapartida, Paul, vivido pelo excepcional Philip Seymour Hoffman, é paranoico e hipócrita.

Stephen estava apenas relatando para seu colega que o rival tentou seduzi-lo e que sua lealdade era inegociável, entretanto, para Paul, o simples motivo do protagonista ter ido ao bar representava uma enorme traição, então opta por expulsa-lo campanha de maneira baixa. “The Ides Of March” implora por intérpretes qualificados, precisamos comprar aquela ideia, ser surpreendido por atitudes e pensamentos específicos, e o elenco, de fato, é fabuloso.

Stephen, tido por todos como um potencial coordenador de campanhas, se vê exposto nos tabloides e jogado à própria sorte. Para piorar, o protagonista descobre algo pouco lisonjeiro em relação a Morris, que vai de salvador da pátria a traidor e canalha em pouquíssimo tempo. Jovem, ele até poderia se desvencilhar das garras do mal, no entanto, sente que já se sujou o suficiente para agir como os párias que defendia. A causa era uma farsa, seu idealismo se esvaiu, assim como sua inocência.

Gradativamente, o protagonista se transforma naquilo que sempre detestou: um produto de seu meio. Stephen deixa de agir por princípios, deixando sua fome por poder, vingança e rancor tomarem conta de sua personalidade. Seu arco, intenso ao expor todas as arestas do universo político, o leva direto ao abismo de cinismo, falsidade, ódio e ganância. No desfecho, Stephen nem sabe mais porque está ali ou para quem trabalha – assumiu o vazio de uma existência degenerativa, sem propósitos e integridade.

O roteiro, além de oferecer um painel rico acerca das campanhas eleitorais americanas, é cuidadoso ao inserir uma personagem na trama. Molly é uma estagiária e acaba sendo peça chave no desenvolvimento do protagonista e na exploração da “decadência moral” de Morris.

A fotografia é espetacular. O uso recorrente de sombras salienta a ambiguidade dos personagens, acostumados a interpretar um papel, e confere uma atmosfera sigilosa a certos diálogos.

Os tons acinzentados e os ambientes escuros vão ao encontro da trajetória desumana de Stephen e da realidade por trás de uma disputa presidencial.

A contraluz, utilizada numa conversa entre Paul e Stephen, próximos da bandeira americana, diz muito sobre o cenário político. O povo vê o que é mostrado, não o que interessa. A bandeira é um símbolo da corrupção, de uma narrativa inventada por políticos desesperados por votos.

A montagem é importante, por exemplo, ao cortar, gradualmente, de maneira mais abrupta os discursos do candidato, destacando o vazio daquelas palavras.

George Clooney foge de exibicionismos, mantendo o foco nos atores e no excelente texto. A opção por close ups ressalta a falta de opção dessas pessoas, muitas vezes jogadas contra a parede graças aos próprios erros. Quando Stephen confronta Morris, é ele quem caminha e coloca as cartas na mesa. Quanto mais intenso o embate se torna, mais o quadro se fecha, gerando uma tensão ainda maior. O Rack Focus se mostra eficiente ao expor sutilmente Morris, direcionando o foco do espectador – do celular de Molly para o de Stephen.

Ryan Gosling reafirma sua versatilidade e inegável talento em uma performance que depende, primordialmente, de mudanças na expressão facial e na entonação vocal. Seu charme aparece quando ele seduz a estagiária e seu carisma está diretamente ligado ao prazer de participar de uma “causa” importante. No terceiro ato, Gosling apresenta os efeitos da trajetória política, surgindo como uma figura fria e cavernosa.

“The Ides Of March” é uma obra subestimada e injustamente ignorada.

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