Skip to main content

Diferentemente dos membros da máfia, os trapaceiros sabem que vivem numa corda bamba e que um leve movimento é capaz de derrubá-los.

O trio central é apresentado através de uma elegante Split Screen e a semelhança mais notável são os óculos escuros, que não servem apenas à estética, escondem identidades “secretas”.

Lilly Dillon trabalha para um bookmaker de corridas de cavalo e boa parte de sua fortuna advém de golpes contra o próprio patrão. Ela é direta, curta e grossa; reage e se comporta rigidamente, denotando, simultaneamente, um conhecimento absoluto de sua “profissão” e um desejo irreal de abandonar aquele universo. Em um determinado momento da vida, essas pessoas deixam de ter o poder de escolha, estão envolvidas demais, os contatos são incontáveis.

Seu filho, Roy, aplica pequenos golpes em bares e restaurantes. Ele atua sozinho e não pretende sair da zona de conforto. Seu objetivo é juntar o máximo de dinheiro possível e seguir em frente, sem truques. Aos vinte e três anos, a limpeza é possível e Roy, ainda que não admita, é bastante influenciado por Lilly, que o aconselha a escolher um outro meio, afinal, ele não tem “estômago” para o que virá adiante. Os dois se parecem, agem discretamente e não medem esforços para dizer o que sentem. A distância que mantêm conversa diretamente com o jeito recluso e a solidão que carregam e a silenciosa conexão que nutrem é notável e inevitável.

Lilly gostaria de ser uma mãe carinhosa e presente, tem noção de seu desleixo e tenta se redimir repetindo que lhe deu a vida duas vezes. Roy é ríspido, não tem grande intimidade com ela e evita qualquer envolvimento profundo. O roteiro deixa nítido que existe uma questão incestuosa entre os dois e que um dos motivos de Roy evitá-la é justamente esse. A verdade é que a falta de afeto de Lilly transformou seu filho num jovem ambíguo e confuso, que a evita por não entender muito bem as suas emoções. Ele a deseja? É obcecado por ela? Ou a detesta?

Por mais aberto que isso fique, a certeza é que, no fim, Roy se atenta ao conselho da mãe…

O terceiro elemento do filme é Myra, par romântico do protagonista. Ambiciosa e disposta a literalmente qualquer coisa para crescer no mundo dos trapaceiros, a moça serve de contraponto aos demais personagens. Se eles agem suavemente e fazem de tudo para não chamar a atenção, Myra é sedutora, não tem escrúpulos e nunca perde a pose. Roy não se apresenta como um criminoso, o que salienta a sua repulsa pela trapaça. No entanto, ela acaba descobrindo a verdade e admite que está há anos no meio, sempre trabalhando em grupos, roubando milionários e que seu antigo parceiro se aposentou. Myra quer se juntar ao namorado, formar um time e subir de patamar. A relação, estritamente baseada em sexo, desmorona. Roy é um homem solitário, em casa, no trabalho e nas ruas – o prazer carnal é uma necessidade. Sua recusa leva a um brutal término na relação e a algumas reviravoltas brilhantemente estabelecidas pelo roteiro.

Todos aqui são extremamente inteligentes e se, por acaso, se dão mal, foi porque algo inesperado aconteceu.

Myra usa roupas vermelhas e atraentes, que destacam o seu corpo, pois quer ser notada, gosta do holofote e acredita que pode colocar qualquer um aos seus pés. Sua convicção é ingênua e não a leva a bons caminhos.

Roy se veste como um homem invisível, admite sua condição e caminha pelas sombras, evitando estrondos e perigos desnecessários. A trapaça preenchia seu vazio existencial, era algo, mas deixou de ser e ele não sabe exatamente o que quer.

Lilly tenta se manter discreta, todavia, seus anos no meio a obrigam a aderir ao vermelho, que não ressalta apenas sua vida criminosa, mas o sangue que carregará eternamente em seu corpo.

A fotografia e a direção de arte optam por uma interessante mescla entre tons frios e quentes. A escuridão e a opacidade ressaltam a natureza do trabalho de animais noturnos e a gradativa prisão que tal ocupação se transforma. Há uma certa melancolia no ar – o silêncio e os tons de verde salientam isso -, que é coberta pelo vermelho, cuja conotação inicial é o glamour.

A direção não trata a trapaça como algo fácil e confortável, pelo contrário, o uso constante de close ups e travellings frontais geram tensão e colocam os personagens contra a parede. O mesmo artifício pode ser utilizado, por exemplo, para expor o fascínio de Myra ao descobrir que Roy também era um trapaceiro. No início, Stephen Frears utiliza planos-detalhe para enfatizar o minucioso trabalho dos trambiqueiros.

No clímax, o diretor confere uma crescente ansiedade a partir apenas da movimentação de Roy e Lilly no quadro – claro, a intensidade dos planos, que se fecham, também é fundamental.

Os desencontros que cria em um único plano são elegantes e fundamentais para a atmosfera da obra, que cresce no terceiro ato.

Seria a saída óbvia mostrar a morte de uma personagem em determinada cena, mas Frears, inteligentemente, revela somente a reação daquele que está no necrotério, deixando o quebra cabeça para o espectador.

A trilha sonora do excelente Elmer Bernstein é correta, mas não é memorável como a de “A Época Da Inocência”.

Annette Bening oferece uma performance envolvente e sexy. Seu controle perante os homens é a sua principal arma e a atriz controla brilhantemente sua entonação vocal e movimentos corporais. Quando perde sua força, se mostra agressiva e vingativa. Bening cobre todas as arestas e confere complexidade a um universo obscuro.

Anjelica Huston se destaca, fazendo de Lilly uma mulher, simultaneamente, forte e frágil. Sua experiência e astúcia combinam com a sua intrínseca sedução, entretanto, ela tem pontos fracos, comete erros dos quais se recordará e sofre como uma mãe comum.

John Cusack reafirma a sua versatilidade, dando vida a um personagem intrigante, charmoso, repleto de dúvidas e demônios internos. O minimalismo é uma arte para poucos atores e Cusack se sai bem até quando precisa se “exaltar”.

“The Grifters” é um filme classudo e inteligente sobre pessoas que precisam seguir em frente, não importa o que aconteça.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!