Caleb caminha pelas ruas e encontra Mae. Ele oferece uma carona e tenta aproveitar o tempo disponível. Ambos são jovens, claramente solitários, que buscam algo a mais, porém, estão em sintonias completamente diferentes. Os diálogos denotam interesse, mas insinuam que algo estranho está prestes a acontecer. Esse não é um encontro romântico qualquer. Mae diz coisas peculiares, valoriza o escuro ensurdecedor e, impulsivamente, acaba mordendo o pescoço de Caleb. O protagonista estava atrás de uma namorada e talvez a tenha encontrado, no entanto, ganhou (ou perdeu) muito mais que isso.
No seu primeiro sucesso, Kathryn Bigelow conseguiu mesclar muito bem estilo e substância. A trilha eletrônica da banda Tangerine Dream é uma marca registrada da década de oitenta e segue enervante e atmosférica. Os figurinos são importantes para diferenciar os vampiros dos demais. O mesmo pode ser dito da excelente fotografia, que ressalta a presença normal do sol para os humanos e mortal para os vampiros. Como o próprio título diz, o filme se passa quase inteiramente na escuridão. O uso de contraluz e a presença marcante de fumaça salientam que os sugadores de sangue são seres misteriosos, perigosos e solitários. A beleza de “Near Dark” é notável, há quadros deslumbrantes, principalmente os que se valem das vastas paisagens naturais do interior dos Estados Unidos. Bigelow mostra talento ao optar por ângulos específicos que colocam os vampiros em posição de dominância, valorizar a natureza com planos abertos e conseguir manter um alto nível de tensão a partir de diálogos desconfortáveis e movimentações de câmera inspiradas. A premissa é simples e o grande destaque está no visual e na desmistificação de certos valores.
A cena no bar é o grande exemplo do poder e da força dos vampiros, contudo, o que mais chama atenção é a fragilidade de suas existências. No fim das contas, eles vagam em busca de sobrevivência, tendo que se esconder, fugir e limitar o convívio a um número reduzido de pessoas. Os vampiros nunca param, pois precisam achar um abrigo e o seu maior inimigo não é algo fácil de se evitar. Severen, Jesse, Diamondback e Homer já estão mais que acostumados com a nova identidade. Não enxergamos rastros de humanidade nos quatro, apenas a busca pelo pragmatismo, uma personalidade tóxica e indiferença pelos demais. Mae não é assim. Ela sabe o que precisa fazer para sobreviver, mas está longe de parecer satisfeita, demonstrando fortes traços de melancolia. Caleb deveria ser apenas uma presa, mas, acima da visão infinita e animalesca do mundo, Mae ainda sonhava com a simplicidade do afeto. Ele acaba tendo que entrar para o grupo e é forçado a mudar os hábitos. A performance física de Adrian Pasdar é excelente. O ator trabalha bem os estágios da transformação do personagem. Acontece que quando se é humano, não é fácil sair mordendo o pescoço das pessoas e Caleb passa por todas essas dificuldades. A única coisa que o prende ali, além da fome, é o laço com Mae.
A sequência que mostra todos os vampiros escolhendo suas vítimas para o “jantar” é fundamental para diferenciá-los do protagonista, que passa mal. O pai e a irmã de Caleb partem atrás dele e deixam as coisas ainda mais tensas e interessantes.
O convívio com os vampiros é extenuante, o protagonista precisa sempre se provar e é tratado como um intruso. Em contrapartida, os raros momentos em família são acolhedores e prazerosos. O que é a eternidade perto de uma finitude confortável e aconchegante?
O final, apesar de apressado, é extremamente satisfatório. Afinal, o sol poderia ser belo e representar a união.
Bigelow ainda confere um estilo de Western para o filme, através das locações, do figurino do protagonista e da emulação de duelos clássicos – principalmente no último embate.
O ritmo é agradável, a aventura de Caleb é movida por momentos intensos, de redescobrimento, valorização do passado e violência. No meio disso, o roteiro encontra espaço para um romance que abre e fecha a trama de forma coesa e estruturada. A química entre Pasdar e Jenny Wright é ótima e as atuações permitem que os dois se diferenciem dos demais e que o espectador torça por eles.
Bill Paxton é o grande destaque no grupo de vampiros, sendo, simultaneamente, desagradável e cativante. Sua presença eleva algumas cenas, principalmente a do bar.
“Near Dark” é uma estreia importante, de uma diretora que desde cedo mostrava domínio absoluto do fazer cinematográfico.
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