Skip to main content

Morando na Alemanha, onde seu pai se mantém fixo com as Forças Armadas Americanas, Priscilla é uma jovem solitária, tímida e bonita. Ela tem apenas catorze anos, mas chama a atenção de um tal de Elvis Presley, convocado pelo exército em meio a sua meteórica ascensão. Sua casa europeia é simples e convidativa, foge de extravagâncias e combina com o comportamento do astro, que se abre com a protagonista, desce do pedestal, se mostra vulnerável e sensível.

Os pais da moça não gostam desse recorrente contato, mas ela não suporta a ideia de não ver o “amor de sua vida”. Imaginem a seguinte situação: você não tem amigos, vai à escola por obrigação e admite um cotidiano pacato. Repentinamente, o “rei do rock” te convida para sair e se apaixona, sem excessos ou egocentrismo, antes, pelo contrário, assumindo dores e um nervosismo bastante relacionável. Tudo o que não envolve Elvis é descartável para Priscilla. As salas de aula são extensões de seu quarto e os colegas são desinteressantes. Sofia Coppola utiliza repetidas vezes um travelling no qual a protagonista atravessa o corredor da escola, literalmente passando pelos demais.

Os cortes constantes e o calendário marcam a saudade e a inquietação da jovem, que se vê diante de um inconsolável vazio longe do músico.

Eis que um dia, Elvis liga e pede para ela ir a Graceland, sua mansão em Memphis. A fotografia, acinzentada na Alemanha, ganha tonalidades contrastantes nos Estados Unidos. O astro parece mais solto e feliz, a casa – quase sempre cheia – engole a garota sonhadora.

Se a residência provisória exalava tranquilidade, a “oficial” fazia jus ao seu status. Essa diferença é definida pelos quartos; enquanto o primeiro poderia ser de qualquer adolescente, o segundo impressiona pela decoração, desde a porta de couro ao tigre na estante. No início, Elvis toca piano diante de convidados, mas seus olhos se direcionam à protagonista e Coppola fecha o quadro, ressaltando a forte conexão. Em Memphis, as coisas não são bem assim, ele atende a uma série de compromissos, turnês e embarca na carreira de ator. Os remédios para dormir denotam irresponsabilidade e Priscilla é rapidamente introduzida a um universo de vícios e tentações. O vermelho no casino em Las Vegas simboliza essa radical transformação no estilo de vida. A montagem, a partir de fusões e cortes intensos, nos coloca na perspectiva de uma adolescente imersa num ambiente irreal.

Os óculos escuros são simbólicos: Priscilla nem se conhece ainda e já é obrigada a se esconder – uma garota pulando etapas.

Ela se muda de vez para Memphis com grandes expectativas. A rotina apresenta as pessoas por completo, sem máscaras ou “melhores momentos”. Demoramos a vê-los juntos e, ao mencionar que se interessou por uma vaga de emprego, é rispidamente repreendida: “eu ou uma carreira”. Priscilla escolheu sua vocação: mulher de um astro. Ninguém sai de Graceland sem autorização e, gradativamente, a protagonista se transforma numa boneca de luxo, moldada às preferências de Elvis. Sua ingênua mente preparou um conto de fadas, todavia, a realidade é tão desconfortável quanto a maioria das refeições na mansão. Ela viu o rapaz e estava diante do rei – a falta de sintonia é notável graças às sutis reações faciais de Cailee Spaeny.

Ele decide o que Priscilla pode ler, quando vão transar, quais vestidos pode usar e o seu estilo de cabelo, além de agredi-la fisicamente. A cena em que o astro atira uma cadeira em sua direção, pelo simples fato da amada ter dado uma opinião em relação a uma música, é assustadora.

A verdade é que Elvis era uma pessoa confusa, jogada às multidões precocemente e dominada por seres de caráter duvidoso. Não à toa, sempre que passa do ponto, percebe a brutalidade do ato e se desculpa. Ele leva o posto de rei de uma forma literal, diminuindo Priscilla a posição de súdita, que está ali para agradá-lo, respeitar seus desejos e não reclamar da constante distância.

Quando vão comprar roupas, não se trata de um programa romântico, mas de um momento em que sua namorada é objetificada na frente de seus amigos.

Elvis compra o amor, mas não está disposto a se doar, não compreende o significado da palavra empatia e se perde dentro de suas distintas facetas.

Jovem e inocente, Priscilla se cala, aceita a condição de prisioneira, um brinquedo dentro do enorme parque de diversões. A maquiagem excessiva esconde seu rosto, as roupas pomposas dão um aspecto artificial à moça e seu rosto melancólico se torna um acessório particular da “boneca”. Na sequência mais “romântica” e íntima, os dois passam alguns dias trancados no quarto. O repetido enquadramento da empregada deixando comida na porta reforça a tragédia inerente àquele relacionamento. Eles só ficam juntos na gaiola escura. Elvis transporta a sua “impessoalidade” para Priscilla, que não pode agir como um ser humano, não pode caminhar na rua, nem ir a um restaurante e é privada de qualquer tipo de socialização.

Sofia Coppola inicia o filme com planos detalhe dos pés, olhos e bocas da protagonista, enfatizando que são as pequenas partes, as indesejadas idas ao salão de beleza e a existência fútil que ditarão a existência da jovem. Suas aspirações e sentimentos não importam. Graceland é um ambiente de imagens minuciosamente calculadas. Os planos médios e abertos expõem a vasta solidão de Priscilla; em contrapartida, Coppola fecha o quadro quando Elvis elogia o perfume de outra mulher na frente da protagonista, que, no caso, era o mesmo dela, a levando a se trancar num quarto escuro. É pior do que se sentir ignorada, como se fosse um fantasma, um enfeite – sua angústia é avassaladora.

A cineasta opta por uma estrutura fluida e circular. Os momentos de vazio e sofrimento são seguidos por sequências leves e divertidas, elevadas pelas excelentes escolhas musicais. Coppola é honesta em relação a psique de Priscilla, que se fere e se silencia, porém perdoa e logo depois está genuinamente feliz. Claro, isso vai até o limite do suportável, quando a situação muda.

O quarto de Elvis no hotel em Vegas ganha a conotação de inferno, tomado por um vermelho enclausurante e pílulas jogadas na mesa. A destruição do astro conversa com a libertação da protagonista, ressaltando a condição dessa romance, fadado ao fracasso desde o princípio. Eles viviam separadamente, no entanto, o cinza no corredor da despedida confirma a paixão de Priscilla por Elvis e sua tristeza, não pelo término, mas pela forma.

Jacob Elordi emula os maneirismos e a entonação vocal de Elvis brilhantemente. O ator consegue trazê-lo para uma realidade humana, apresentando características novas, que o filme de Baz Luhrmann deixou de lado, e é igualmente eficiente ao explorar a megalomania e o egoísmo do astro. Há algo podre em sua personalidade e uma certa desorientação digna de pena. Elordi encapsula a complexidade de Elvis muitíssimo bem.

Cailee Spaeny oferece uma performance espetacular – inclusive venceu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza. Sua composição é delicada e minimalista, se valendo de expressivas reações faciais e corporais. Seu arco, de adolescente à adulta, exige compreensão e Spaeny perde gradualmente a inocência – da pior maneira possível. O rosto tímido e angelical do início dá espaço a uma desesperança enorme, que se confunde com o medo de ser esquecida.

“Priscilla” é um “trágico” conto de fadas, mais um grande filme de Sofia Coppola.

O que você achou deste conteúdo?

Média da classificação / 5. Número de votos:

Nenhum voto até agora. Seja o primeiro a avaliar!