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“Ari” começa com planos-detalhe, inserindo o espectador, de imediato, na proposta intimista idealizada pela diretora Léonor Serraille. O protagonista é professor de crianças da escola primária, todavia, começa a descrever um poema complexo e inapropriado para a ocasião. A desconexão é absoluta e a tutora tenta alinhar as pontas. Ari não está bem, aquele não é o seu melhor dia; pensando melhor, faz tempo que ele não tem um bom dia. Os intensos close ups e a câmera trêmula – marcas da cineasta – conferem desconforto e o protagonista tem uma crise nervosa. As fezes de pombo e a tentativa frustrada de pular a cerca de um parque ressaltam a fase de Ari, que decide abandonar a profissão a fim de cuidar de si. O pai, que já não leva muito fé no filho, ao receber tal notícia, o expulsa de casa e é enfático: “Uma geração perdida”. O acúmulo de frustrações não deve ser subestimado e a mais expressiva de todas é, sem dúvida, o término do relacionamento com Irène, que estava prestes a ter um filho seu. Ari não acreditava na possibilidade; não achava justo, considerando as próprias incertezas, assumir uma função paterna.

A escolha pelo ofício e o amor que demonstra pelas crianças salientam sua dor e dúvida. O que seria do protagonista se as coisas tivessem acontecido “naturalmente”? A vocação para entender e cuidar dos mais necessitados é posta em tela e o seu choro ao ver o bebê de um antigo amigo é comovente. Serraille aposta numa abordagem crua e honesta, expondo Ari sem concessões. Nessa trajetória de cunho pessoal, fica muito nítido que, além de inseguro, ele é gentil, empático e que está disposto a se redescobrir – o suéter vermelho sintetiza o seu jeito carinhoso. O protagonista reencontra alguns amigos que cumprem funções primordiais em sua jornada. Jonas gosta de se exibir. A diferença entre os dois é traduzida em seus figurinos e na maneira como se expressam. Na medida em que o tempo passa, a impressão é de que Jonas o convidou para humilhá-lo; para mostrar que tem uma bela casa, uma filha e uma esposa, o que revela lados poucos lisonjeiros do rapaz: ele é estúpido e nos leva a crer que aderiu às convenções sociais como um cachorro adestrado – outro tema relevante no filme.

Ari, por mais angústias que nutra, não pensou no que seria bem-visto pelos demais. A busca pelos amigos representa aquilo que a cineasta, a partir de diversos planos, reforça: a solidão constante. O roteiro é espirituoso e adiciona toques cômicos eficazes; dito isso, não posso negar: esta é uma obra melancólica e extremamente sensível. As interações com Ryad, outro amigo, impressionam pela genuinidade e pela facilidade com que Serraille tem em apresentar seres que perderam contato, mas que ainda guardam a antiga intimidade. Em meio a bons momentos e decepções, Ari se depara com uma surpresa: Irène está na cidade. Não entrarei em maiores detalhes, direi apenas que a cena no trem e aquela que envolve uma dança provam que a verdadeira beleza parte da simplicidade. A trilha sonora é deslumbrante e essencial à narrativa. O filme poderia ter terminado antes – por duas vezes, me vi na expectativa pelos créditos -, porém, entendo a escolha de Serraille, que completa a trajetória de Ari.

Andranic Manet oferece uma performance magnética e sutil, carregando ansiedade, dor e empatia em seu rosto. Os momentos de explosão são raros e o ator está lá para garantir a maior autenticidade possível.

“Ari” é um belo projeto que eu espero que chegue aos cinemas.

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