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C e M formam um casal apaixonado. Não podemos dizer que conhecemos os personagens a fundo, nem sua relação, afinal, logo no início, o protagonista sofre um acidente de carro e morre.

No necrotério, coberto por um lençol, ele levanta e assume a forma de um fantasma.

“A Ghost Story” é devastador por uma série de fatores e o primeiro a ser notado, é justamente a impotência sentida por C, que volta para casa, consegue ver o seu amor, mas não pode fazer nada. Ela sofre intensamente e, mesmo “invisível”, a dor do protagonista é absolutamente palpável. O espectador cria um vínculo poderoso com o fantasma, movido por emoções humanas e relacionáveis.

O luto de M é brilhantemente explorado, no entanto, em determinado momento, ela segue em frente, deixando seu “parceiro” para trás, preso na casa. A sensação de ser esquecido por alguém importante é universal e o protagonista carrega um trágico fardo. Consciente, ele se lembra de tudo e não pode abandonar o passado, sendo obrigado a lidar com frustrações, saudade, arrependimentos e uma paixão que só se mantém viva em seu vazio.

O fantasma não tem controle sobre o que sente, é abandonado, porém mantido na casa que reúne suas memórias mais dolorosas. Em busca de libertação, C apenas acumula experiências melancólicas e doídas, como, por exemplo, a destruição de seu lar, que se transforma em um espaço grandioso e tecnológico. Ao se deparar com outro fantasma, o protagonista pergunta quem ele está esperando e a resposta é: “não me lembro”. O tempo pode ser traiçoeiro e, em vez de apagar memórias afetuosas, mantê-las, simultaneamente, vivas e mortas. As pessoas se esquecem dos outros, mas será que se livram inteiramente do impacto causado por eles?

O tempo é tudo em “A Ghost Story”. Se no início o diretor David Lowery opta por longos planos estáticos, apreciando o casal abraçado e intensificando o luto de M, a partir do segundo ato, a câmera “aparece” mais e a montagem – também realizada por Lowery –, passa a fazer bastante uso de elipses “significativas”. Invariavelmente, um extenso período se passa em um único plano. O que essa abordagem nos indica? A contemplação absoluta torna cada situação relevante e digna da atenção máxima do espectador. Por outro lado, os cortes constantes reforçam que minutos, meses, anos e até séculos passaram a ter o mesmo valor para C, preso a um eterno “nada”.

Sua perspectiva nos coloca numa posição delicada. Não aproveitamos o tempo como deveríamos e, ainda que isso não fosse verdade, não teríamos tempo suficiente para dizer, realizar e estabelecer aquilo que tínhamos em mente.

Antes do acidente, vemos uma cena na qual M tenta conversar com C, que responde friamente. A baixa profundidade de campo tira a moça de foco e são essas frações de segundo, em que depositamos nossas energias no que não “importa” que ficarão guardadas e nos machucam para sempre.

O mesmo artifício é utilizado quando M volta para casa depois de um encontro – o protagonista está sendo esquecido.

Lowery usa planos gerais para expor a transformação que aquele ambiente tranquilo sofre e a solidão de C. No momento em que escuta o que o outro fantasma diz, ele fica mais desesperançoso e triste – sentimentos ressaltados através de um travelling que evidencia sua condição de prisioneiro.

A montagem, como mencionei, é um elemento narrativo primordial para o êxito do filme e há uma sequência na qual a intercalação precisa de flashbacks com o presente é simplesmente genial. Nas duas ocasiões, M escuta a música nova de C. No passado, o fone é maior e as cores ao seu redor são quentes. Em contrapartida, no presente, o fone é pequeno e ela está deitada no chão da casa, já completamente vazia.

A fotografia, obviamente, muda de tonalidade, tornando-se cada vez mais fria.

O design de som é eficiente ao colocar o espectador na perspectiva do fantasma, como se numa busca por empatia.

A trilha sonora é obscura e sensível, variando de acordo com o momento no qual o protagonista se encontra.

Outra cena que merece destaque, é aquela em que um grupo de jovens se reúne na “antiga casa” de C e um dos personagens faz um discurso sobre a impossibilidade de se deixar um legado. A fala, na verdade, serve como um contraponto ao comportamento dos demais. Um embate entre o “agora” e o “futuro” – belo trabalho de montagem. Vale a pena se entupir de pessimismo quando se tem uma vida pela frente? Qual a razão do desabafo? Me parece mais um exemplo de tempo desperdiçado…

A razão de aspecto reduzida dá a impressão de que estamos assistindo a um filme caseiro, tornando a experiência pessoal e íntima.

O design do fantasma é propositalmente básico, propiciando a ligação espontânea entre ele e o espectador.

Por último, não poderia deixar de citar o bilhete, cuja anotação não é revelada e que, de certa forma, simboliza a liberdade do fantasma.

Rooney Mara oferece uma performance rica e minimalista. O excesso não faz parte de sua composição, que impressiona pelo controle emocional. Seu olhar para a cama vazia é doloroso e a extensa sequência na qual ela devora uma torta, só é efetiva graças a genuinidade da atriz, que expõe luto, raiva e angústia na gradativa intensidade de suas mordidas.

Casey Affleck, por sua vez, apesar de estar na maior parte do filme coberto, também merece elogios. Sua curvatura confere complexidade e “vida” a pobre criatura.

“A Ghost Story” é uma obra prima. Um filme ambicioso e original que encapsula a tragédia da trajetória humana em um fantasma.

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