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Oliver Stone é o tipo de cineasta que gosta de gritar sua opinião política para que o mundo inteiro o escute (e se você não o ouviu daí, basta lembrar que um de seus documentários se chama “Meu Amigo Hugo”). É justamente por esse motivo que eu fiquei interessado em assistir “W.”, filme que retrata parte da vida de George W. Bush. Tinha tudo para dar errado. Seria muito fácil detonar a imagem de um sujeito que esteve envolvido em algumas polêmicas e que se situa no espectro ideológico oposto ao de Stone. Para a minha surpresa, o diretor responsável por “JFK” e “Nixon” pinta um retrato até que simpático do pequeno Bush, explorando o homem, não apenas o político republicano.

“Claro que não! Não faria isso de forma alguma”, afirma o protagonista para os seus camaradas de universidade, referindo-se a seguir os passos de seus familiares na política americana. Durante a juventude, Bush passou por diferentes empregos, sempre auxiliado pelo pai, com quem raramente dialogava como gostaria. Bush sempre teve tudo e nada; tudo estava ao seu alcance, mas nada era palpável. Tirando o beisebol, ele não tinha grandes paixões, nem uma vocação. Seu pai, o “bushão”, falava sobre a família Bush, não sobre o indivíduo; tudo girava em torno do legado, não das necessidades de um jovem engolido pelo seu próprio nome. “Irei trabalhar em Wall Street. Tenho um tio que me colocará lá” – a frase sai sem nenhum tipo de maldade, pelo contrário, parte de um rapaz ingênuo. Os únicos momentos em que o vemos totalmente relaxado são aqueles nos quais está comendo um snack, bebendo uma cervejinha e assistindo beisebol ou futebol americano. George W. Bush é esse tipo de homem, não um líder capaz de colocar o principal país do mundo nos trilhos. Em situações casuais, Stone capta uma pureza quase infantil, conferindo complexidade ao protagonista.

Sua primeira empreitada na política foi anunciada numa mesa de poker. Ele perdeu a eleição para o congresso distrital e demonstrou ser dono de uma das piores retóricas já vistas – o que esperar de uma figura que mal consegue iniciar qualquer tipo de conversa e que, aparentemente, é culturalmente iletrado. Na corrida presidencial de 1988, “bushão” pediu ajuda ao filho na gestão da campanha. “Independentemente do que faça, nunca será suficiente”. Todos os atos de Bush eram formas de provar algo ao pai; provar que não era o elo fraco da família; provar que não era um inútil. Sua percepção sobre o pai nunca mudou, não à toa, sempre se referiu a ele como “papai”, o que ratifica sua vulnerabilidade e caráter infantil. No fim do filme, há uma sequência onírica, um pesadelo no qual “bushão”, com sua considerável altura (a escolha por James Cromwell é perfeita para estabelecer essa relação opressiva e silenciosa), humilha o protagonista.

Eis que, ao entrar em contato com a fé após se livrar do álcool, Bush escutou o chamado divino. Deus foi à sua sacada e disse: você será um grande político. Eu suspeito que esse Deus seja o próprio Cromwell e que a carreira política foi a grande cartada para mostrar seu valor. “Mas tudo que eu sou é um nome. Dizem que nasci num berço de ouro, mas não sabem o fardo que isso implica”. Bush era o presidente no 11/09. Imaginem, naquele momento, a cabeça de um líder “inexpressivo” que passou alguns anos decorando frases de efeito e que atingiu o poder como uma demonstração de força. O roteiro nos fornece ferramentas para enxergar o caos por uma ótica íntima e humana. Sim, a Guerra do Iraque foi um fracasso e é uma das manchas da história recente americana. E, sim, Bush merece todas as críticas por basicamente ignorar o que líderes experientes tinham a dizer e a ideia de uma operação especial. Não é porque entendemos de onde vem a impulsividade e a inabilidade governamental que batemos palmas para atrocidades. Dito isso, graças a “W.”, eu aprendi a respeitar o ser humano George W. Bush, um homem atormentado, preso a uma alma juvenil e que nunca teve a oportunidade de entrar em contato consigo. “Eu só queria transformar o mundo num lugar melhor e mais seguro para todos”.

Nas reuniões com seus aliados, Stone retrata o protagonista como “mais um ali”. Seus péssimos hábitos alimentares, como comer de boca aberta, são enfatizados através de planos fechados que conversam com a câmera inquieta, emulando a agitação e o nervosismo de Bush. Stone foge um pouco de seu estilo frenético e foca em colocar Bush contra a parede – a rima entre o primeiro e último plano, ambos envolvendo close ups e o sonho do beisebol, é belíssima. O enquadramento em que vemos Bush, a partir de um contra-plongée, quase em contato com a luz acima de sua cabeça que se assemelha a uma coroa angelical é perfeito ao ressaltar seu delírio “religioso”. Os recortes temporais são precisos e a montagem é hábil em sua linha temporal não linear.

Josh Brolin oferece uma performance rica em trejeitos e maneirismos. O ator alcança o raro feito de se confundir com a pessoa real e de caracterizá-lo da forma mais complexa e real possível.

“W.” é, muito provavelmente, o filme mais subestimado da carreira de Oliver Stone.

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