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Realizado em 1991, “JFK” é o trabalho da vida de Oliver Stone. Seu estilo frenético e afetado nunca funcionou tão bem. Como David Ferrie, interpretado por Joe Pesci, diz: “Um mistério envolvido numa charada dentro de um enigma”. Em 1960, John F. Kennedy foi eleito Presidente dos Estados Unidos. Considerado o símbolo da nova liberdade americana, Kennedy herdou uma guerra secreta da CIA contra a ditadura comunista de Fidel Castro. Poucos meses após assumir o posto, ele organizou a desastrosa invasão à Baía dos Porcos, que culminou na vitória de Castro. O mundo estava à beira de uma guerra nuclear e Kennedy, após costurar um acordo com o Premiê Soviético Nikita Khrushchev, foi taxado, por muitos, de comunista. Por mais crises e conflitos que tenha enfrentado no curto período em que esteve na Casa Branca, Kennedy provou ser um líder humano e aberto ao diálogo. Em 1963, durante um desfile aberto em Dallas, ele foi assassinado. Stone abre a narrativa com imagens de arquivo e, no fatídico momento, opta por um fade, deixando o espectador com o som do disparo e, posteriormente, com o boletim informativo.

As pessoas, à espera de notícias, se amontoam em bares. A montagem transita perfeitamente entre a apreensão e o noticiário. A câmera traduz a inquietude geral e a fotografia em preto e branco, utilizada em flashbacks, reportagens e reencenações, apresenta ao espectador um panorama da mente dos personagens e confere um aspecto documental ao filme. Lee Harvey Oswald foi declarado culpado pelo assassinato e, poucos dias após ter sido preso, foi morto por Jack Ruby, dono de uma boate local, que desferiu tiros à queima roupa. No início, temos uma paleta dessaturada, tendendo a tons de sépia, que reflete o peso do acontecimento e a desesperança de um povo que perdeu seu líder. Estabelecida por Lyndon Johnson, vice de Kennedy, a Comissão Warren investigou o assassinato e chegou à conclusão de que foi obra de um homem só, no caso, Oswald.

Jim Garrison, promotor distrital de Nova Orleans, após reler os relatórios da Comissão Warren, nota diversas incoerências, omissões e situações, no mínimo, controversas. Juntamente com sua equipe, ele inicia uma investigação silenciosa sobre o caso. O protagonista é um pai de família correto, idealista e obcecado por teorias conspiratórias, ou seja, uma figura simpática. “JFK” é um dos projetos mais ambiciosos e assustadores já realizados em Hollywood. “Você é tão ingênuo”. Assim como Garrison, o espectador se torna mais cético e aflito na medida em que as possibilidades são postas na mesa. Quem matou Kennedy? Por quê? Quem tem o poder de ocultar a verdade? Quem se beneficiou? Oswald é inocente? Normalmente, as grandes perguntas são sucedidas por grandes respostas, todavia, aqui, ficamos apenas no primeiro degrau, o que é mérito do roteiro, que se atenta à névoa que protege as principais instituições americanas.

Como Oswald matou Kennedy daquela posição e com um rifle duro, se ele era um péssimo atirador? E as pessoas que estavam presentes na passeata e viram atiradores em locais estratégicos? Por que seus depoimentos foram alterados na Comissão Warren e suas assinaturas, forjadas? Por que a rota do desfile foi alterada? Quem a alterou? A famosa foto de Oswald na capa da revista Life, segundo analistas, é uma montagem. David Ferrie, Guy Bannister e Clay Shaw conheciam Oswald. Eles estavam ligados à CIA e à máfia. Frustrados com a vitória de Castro e com as posições do Presidente, eles discutiam o assassinato. E o envolvimento de Oswald com a KGB? As perguntas e os temores aumentam consideravelmente quando Garrison encontra um sujeito misterioso e influente em Washington que se auto intitula X. A teia tem potencial de ser muito maior do que o promotor imaginava, incluindo, provavelmente, a CIA, o FBI, o Serviço Secreto, a máfia, o complexo industrial-militar e o próprio Lyndon Johnson – além de outros líderes do Pentágono. X, vivido pelo excepcional Donald Sutherland, teoriza que Kennedy morreu porque queria retirar os Estados Unidos da Guerra do Vietnam e remodelar a CIA. A Guerra é o negócio mais lucrativo possível…

E, sim, talvez Oswald tenha sido apenas o bode expiatório. Digo, talvez, pois, apesar de entender os contornos conspiratórios e as inúmeras “coincidências”, nada foi provado. Stone gosta de narrar a sua versão dos fatos, o que, sinceramente, pouco importa. Algumas inexatidões não diminuem o impacto do todo e é sempre bom lembrar: cinema não é jornalismo. A única obrigação de Stone é contar uma história intrigante e bem orquestrada. Nesse sentido, “JFK” é um primor, um espetáculo que, mesmo durando mais de 3 horas, nunca deixa de ser intenso e incrível de se acompanhar. Como mencionei acima, a fotografia trabalha com diferentes tons e texturas para os diferentes cenários. Após a morte de Robert Kennedy, Garrison, que tem deixado sua família na mão, se aproxima de Liz, sua esposa, e admite estar com medo – o azul conversa com o sentimento descrito e com o estágio atual do casamento. Em outros momentos, de maior tensão, o diretor de fotografia opta por um tom quase avermelhado, refletindo a brutalidade do caso, a corrupção americana e a enorme mancha na história de um país que se gaba por sua liberdade.

Stone é elegante em seus movimentos de câmera, ao mesmo tempo em que imprime o caos absoluto. Este é um épico de planos fechados; um épico que enxerga na verdade a maior virtude do ser humano. Stone tenta encontrar a verdade em todos os rostos e os planos-detalhe, aliados a uma montagem frenética, servem à claustrofobia. Há uma cena que se passa num banheiro que sintetiza o talento de Stone para nos deixar na ponta da cadeira e a sua capacidade de se colocar na posição do protagonista, captando as terríveis sensações de paranóia e pânico. A montagem, considerada uma das melhores da história do cinema, é responsável por transições que dão vida e complexidade aos pensamentos dos personagens. Estamos sempre indo e vindo e o melhor exemplo do cuidado extremo dos montadores está na longa sequência de tribunal. As possibilidades, os equívocos dos relatórios e as imagens de arquivo se misturam com Garrison e sua bela argumentação. “Continuarei até o fim”.

Kevin Costner é um astro capaz de carregar este tipo de projeto. Sua persona meio “James Stewart” é mais do que convincente e seu arco permite que pequenas alterações em seu semblante tenham um significado enorme. O elenco ainda conta com os inspirados Gary Oldman, Tommy Lee Jones, Michael Rooker, Kevin Bacon, Sissy Spacek, Jack Lemon e John Candy.

“JFK” é uma obra prima de proporções imensuráveis.

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