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“O jovem é castrado”, diz Eduardo Coutinho, expondo a sua falta de confiança ao entrevistar uma série de adolescentes, provavelmente treinados, com um discurso preparado. Ele gostaria de fazer um documentário com crianças, ama a pureza e a honestidade infantil.

A frase que sintetiza “Últimas Conversas”, é dita bem no início por Coutinho: “não é um filme sobre escola, é sobre pessoas.

Os jovens entram na sala, falam sobre suas vidas, seus sonhos, medos e traumas. Cada um é especial de sua forma e o diretor faz questão de enaltecer essas diferenças, demonstrando, novamente, uma empatia fora do comum. Seu carinho perante os entrevistados é tocante. Coutinho sabe até onde pode ir e quando deve mudar o rumo da entrevista, levando os adolescentes a revelarem individualidades e particularidades, também os levando a gargalhar.

Tayna tem uma péssima autoestima, sofreu bullying e agressões físicas na escola, o que fica evidente na sua forma retraída de se comunicar e no olhar cabisbaixo. Jogos, filmes e música – ela afirma ter bom gosto – são os seus hobbys. Tayna não acredita em religiões, nem em si e descarta o amor, pelo menos por agora. Dito isso, Coutinho termina a entrevista surpreso com a sua felicidade e, de fato, como grande comunicador e ser humano, ele consegue extrair algo a mais de pessoas com uma ótica excessivamente negativa.

Bruna entende que a escola é uma perda de tempo, dominada por matérias majoritariamente inúteis. Coutinho escuta e valoriza falas que a maioria dos adultos não leva a sério. Todos os adolescentes têm algo a dizer e entram com uma certa desconfiança na sala, porém, rapidamente percebem que estão diante de um amigo, de um aliado.

Bruna é bastante cética, distingue as pessoas entre vilões e bobos. Sua capacidade de escrever histórias mirabolantes e “pessimistas” decorre dessa visão restritiva.

Rafaela tem uma mãe que faz de tudo para alimentá-la e fornecer o essencial, contudo, sente falta de um amor materno, de sua presença em apresentações e momentos importantes. Seu pai está em uma clínica para alcoólatras e ela prefere não visitá-lo. Seus pés inquietos e sua voz chorosa são marcas de uma garota que sofre silenciosamente. Seu antigo padrasto abusava dela e a entrevista caminhava para um tom extremamente melancólico, até que Coutinho pergunta sobre seu namorado e questiona se o trabalho incessante não era a forma da mãe de demonstrar amor. Diferentemente das demais, Rafaela é católica e vê na fé um forte aliado.

Seu grande sonho? Retribuir o esforço da mãe, amá-la como ela não pode e construir uma família.

Breno é solitário, seus hobbys batem com os de Tanya e o bullying que sofria era bem similar. Inteligente e sensível, ele passou a questionar certas coisas, como a existência de Deus e uma possível inadequação em seu meio social. Com o tempo, o senso de inferioridade se inverteu e Breno se tornou arrogante, se considerando melhor que os colegas, deixando de ser o bobo para assumir um papel de líder “cerebral”. Já que não tem amigos, que as pessoas se arrastem para fazer trabalhos com ele e, ainda que permaneça num estado crônico de tédio, Breno encontrou uma forma de “sobreviver”.

Pâmela é, sem dúvida alguma, a figura mais animada do filme. Ela canta “Listen To Your Heart”, da banda Roxette e cita o preconceito que sofreu na escola por ser negra, entretanto, apesar da humilhação, Pâmela mantém um olhar radiante, visando o futuro e fala sobre geologia com um profundo amor. De certa forma, sua maneira de se comunicar combina com a de Coutinho.

Estephane conta a história de sua mãe com muito orgulho, uma prostituta que foi salva por sua atual madrasta. O amor que falta a algumas, é oferecido em dobro para ela, que desconsidera o pai.

Thiago se diz um romântico clássico, no entanto, parece mais preocupado com a solidão do que com a busca por uma pessoa especial, um amor verdadeiro. Há um certo pavor em sua fala, uma dependência descabida por algo que não deve ser visto assim.

“Tudo que é eterno provoca a insanidade”…

Evani mora com a mãe e sente a ausência do pai, cujo afastamento foi decretado quando ela se esqueceu de seu aniversário. Os dias nos quais passa na casa dele são previsíveis, repletos de diálogos mecânicos e artificiais. O mais interessante em sua entrevista, todavia, é a sua posição em relação às cotas. Evani as enxerga como uma outra face do racismo, o estrutural, afinal, se considera em pé de igualdade para disputar uma vaga com qualquer branco.

Amanda conta a sua incrível história de idas e vindas, culminando no afastamento do pai e na mudança para o Rio Grande do Sul com sua mãe e seu padrasto. Quando a situação parecia estática, ela recebeu um telefonema do pai e o seu brilho nos olhos ao relatar esse reencontro é emocionante. Por condições de trabalho melhores, Amanda voltou ao Rio de Janeiro, acabou se apaixonando e quando chegou a hora de voltar, teve que tomar uma decisão, que ela prefere nem comentar muito sobre, pois a faz mal.

Por último, surge Luiza, uma criança absolutamente adorável, que encanta pela doçura, genuinidade e alegria. O encontro é simbólico, considerando que Coutinho morreu pouco tempo depois: o início e o fim. Uma conversa entre a inocência e a sabedoria e o diretor a conduz com uma elegância que lhe é peculiar. Poucas vezes, uma mera entrevista foi tão linda.

Coutinho constrói um painel sobre jovens, suas maiores aflições e excentricidades. Seu filme vai além, é uma prova concreta de que, por mais parecidos que sejam, cada ser humano é único e especial em seus defeitos, qualidades, traumas e desejos. Todos são protagonistas de suas histórias. Outro fator interessante e a escolha por deixar Luiza por último evidencia isso, é que caminhamos em direção ao conhecimento e ao amadurecimento, o que é natural e necessário, porém existe algo mais belo e puro do que uma criança?

Somos, invariavelmente, consumidos por uma selva difícil de percorrer e a resposta para alguns dilemas pode estar, justamente, no início.

“Últimas Conversas” é uma das grandes despedidas da história do cinema. Um filme simples, no qual Coutinho reafirma o seu posto de documentarista mais carinhoso, humano e empático de todos os tempos.

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