“The Wrestler” é um filme sobre um homem que ama o que faz, mas que não soube se reinventar e vive em um estado de profunda solidão e melancolia.
Randy foi um grande wrestler na década de oitenta, porém vinte anos se passaram. Seu corpo não é mais o mesmo, assim como sua fama e condição financeira. Seus colegas e seus fãs o idolatram e o respeitam, no entanto, fora dos ringues, Randy é apenas um sujeito que não consegue pagar o aluguel, vive em um trailer, não tem amigos e precisa de bicos para ganhar um dinheiro extra.
O protagonista viveu e aproveitou o seu auge, mas agora se depara com uma inevitável decadência e sofre por ter tomado decisões equivocadas no passado, sendo a principal, o desleixo perante sua filha.
Ainda que seu nome seja respeitado dentro do wrestling, seu declínio no esporte é notável, não só pelos pequenos eventos nos quais participa, mas por sua idade avançada. Randy parou no tempo. Não tem a antiga agilidade e insiste em velhos golpes; não é mais um galã e mantém o mesmo visual, admitindo sua vaidade ao pintar os longos cabelos e se bronzear.
O protagonista está quase sempre olhando para trás, seja para o seu boneco, seja para os seus icônicos pôsteres, seja para o seu videogame – representações claras de um homem narcisista, orgulhoso e acabado, que sente o peso do passado e que nunca conseguirá seguir adiante.
Randy é obrigado a sair de sua zona de conforto quando sofre uma parada cardíaca e é aconselhado pelo médico a se aposentar. É difícil encarar um emprego detestável com seriedade e ainda ter que ser gentil. Entretanto, ao se deparar com antigos parceiros de ringue em uma sessão de autógrafos, o protagonista faz um esforço para tentar ser feliz trabalhando atrás de um balcão.
Sua filha, seu único ponto de contato humano, o odeia com razão e ele não faz a menor ideia de como reconquistá-la, não sabe nem a data de seu aniversário. Randy pede ajuda para Pam, uma stripper igualmente melancólica, que tem uma tremenda dificuldade em distinguir seu trabalho de sua vida real, o que a prende em uma cerca de falsa segurança e a afasta de qualquer contato sincero e belo.
Poucas filhas falam com seu pai com tanta firmeza e ódio quanto Stephanie e a reação de Randy diz tudo: ele nunca esteve presente.
Tendo que confrontar sua própria mortalidade, longe de seu palco favorito e com a solidão cada vez mais escancarada, o protagonista admite seus erros com uma rara honestidade em uma bela cena, sucedida por dois belos momentos entre pai e filha.
Não saber que roupa comprar para Stephanie não é apenas uma tirada cômica ou uma forma de expor sua desconexão com a filha, é o melhor exemplo de que Randy nunca saiu da década de oitenta e não se adaptou à modernidade.
Quando seu ego é inflado, Randy entra em uma espécie de cápsula do tempo e se autodestrói, jogando fora o que foi tão difícil de reconquistar.
No supermercado, o protagonista não quer ser reconhecido, pois tem vergonha do que se tornou e prefere socar um cortador de frios do que seguir se humilhando e se rebaixando a um nível que o machuca intensamente.
No fundo, “The Wrestler” é um filme sobre um homem que sempre viveu sob as luzes, com uma multidão entoando seu nome e, “repentinamente”, ele precisa descer do palco e encarar uma dura realidade.
A idade chega e apresenta certas debilidades que acentuam a necessidade de ter alguém ao seu lado. Ninguém aparece e, mesmo que o médico implore para ele desistir, Randy não conhece outro lugar a não ser o ringue. Somente ali o protagonista é amado e idolatrado. Talvez não seja o amor que os seres humanos sonhem em receber, mas é algo que significa muito para Randy, cujo último salto é uma tentativa simbólica de fugir de um abismo.
A fotografia é mergulhada em tons escuros e acinzentados, retratando a natureza autodestrutiva do protagonista e toda a melancolia envolvendo a trama.
A direção de arte merece elogios por dar uma textura opaca e desesperançosa ao filme, não só pelos ambientes caóticos habitados por Randy, mas, principalmente, pelos pôsteres e elementos que relembram o seu passado, ressaltando o seu triste e solitário presente.
A montagem é discreta, alguns cortes são importantes para enfatizar o quão vazias são as vidas de Randy e Pam. Há uma sequência que ganha um certo tom cômico graças ao contraste entre diferentes situações que os cortes oferecem.
Diferentemente dos filmes analisados anteriormente, Aronofsky opta por uma abordagem sóbria e simples. Ainda assim, dá mais uma demonstração de seu imenso talento. Percebam que Randy quase sempre é apresentado de costas, salientando a vergonha que sente de sua situação atual. O diretor, invariavelmente, o coloca em ambientes vazios e escuros, reforçando a sua solidão. Em contrapartida, sua condução nas cenas de luta é intimista, sua câmera fica praticamente o tempo inteiro dentro do ringue, se movimentando como o espetáculo pede. O último discurso de Randy é acompanhado por um movimento circular, que expõe a sua paixão pelo esporte e pelos fãs, as únicas pessoas que sempre estiveram ao seu lado, sua verdadeira família.
Os contra-plongées, quando ele está em cima das cordas, são a maior prova de que no ringue Randy era o rei, e de que fora dele era apenas um homem confuso, sozinho e repleto de pecados.
Aronofsky destrincha bem o mundo do wrestling, expondo sua natureza farsante, de certa forma suicida, e toda a camaradagem entre os lutadores.
O longo plano que precede o primeiro dia de trabalho do protagonista como balconista é primoroso – há um simbolismo por trás dos vários lances de escada que ele precisa descer – e é potencializado pelo som de seus fãs, dando uma conotação decadente à cena.
Marisa Tomei interpreta uma personagem enigmática, que oferece seu corpo em boates, mas sente remorso ao beijar alguém de quem gosta verdadeiramente. Todos são clientes ao seu ver. Pam aparece apenas duas vezes “limpa”, provando que vive mais a personagem do que sua persona real. Ela é injusta algumas vezes com Randy e percebe isso no fim. A atriz consegue ser sexy e trabalha muito bem seus dilemas internos, apresentando um desfecho convincente e humano.
Mickey Rourke é o cara, um dos grandes atores de sua geração. Ele faz de Randy o sujeito mais narcisista, decadente, carente, solitário, simpático e impulsivo possível. Sua composição é complexa, repleta de detalhes e trejeitos que engrandecem o arco do protagonista, colocando o espectador ao seu lado. A forma como ele reage à fala do médico é tocante, assim como a que convida a filha para dançar. Randy toca em suas cicatrizes do “ringue” com um olhar que denota orgulho e nostalgia e sua tentativa genuína em ser gentil com os clientes no supermercado expõe o quão apavorado estava com o destino de sua vida. Randy é recebido de uma forma por seu chefe e de outra por seus colegas de wrestiling. A diferença na sua expressão dentro desses ambientes é a alma do filme.
Rourke tem muito de Randy. Era um galã e hoje apresenta um rosto desfigurado, já foi o melhor no que fazia e atualmente aparece esporadicamente. Ambos têm instintos auto destrutivos e se entregam de corpo e alma por aquilo que amam.
“The Wrestler” é uma das grandes obras da década de 2000, mais uma na fascinante filmografia de Darren Aronofsky.
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