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Em uma estrada vazia, Max e Lionel, errantes por natureza, se tornam sócios. O primeiro passou seis anos na prisão e tem um forte temperamento; o segundo é um marinheiro simpático e receptivo.

A princípio, Max o ignora, só se aproxima após Lionel oferecer seu último fósforo para ascender o charuto. Como tudo aqui, um gesto pequeno e significativo.

O ex-detento precisa de um parceiro para dar início ao seu grande negócio: um lava-carros em Pittsburgh. Ele tem um dinheiro guardado e a dupla acumula caronas, idas a bares, confusões e momentos leves. Antes do destino final, Max decide fazer uma parada em Denver para visitar a irmã, que vive com Frenchy, por quem ele acaba se interessando. Lionel, por sua vez, deve uma visita ao filho que nunca viu, nascido em Detroit, criado por sua antiga esposa.

A lâmpada – presente para a criança – que carrega durante o percurso é um símbolo de sua sanidade mental e energia contagiosa. Distintos, os “vagabundos” preenchem vazios reciprocamente e o lava-carros se transforma numa muleta para que possam seguir juntos sem se sentirem obrigados a admitir que precisam um do outro. Lionel é carinhoso, generoso e frágil. Quando surge, está completamente perdido e sozinho. Max é a companhia perfeita, um amigo confiável, lhe apresenta a um bom grupo de pessoas e representa um futuro esperançoso. Em contrapartida, Lionel é responsável por tornar a existência rancorosa do parceiro em algo prazeroso, leve e otimista. Max aprende os significados de companheirismo e amizade a partir de situações casuais e do longo trajeto que os obriga a dividirem intimidades.

Naturalista em sua abordagem, “Scarecrow” traz à tela os sonhadores da América marginalizada, pessoas que depositam grandes expectativas em projetos pequenos e que não medem esforços para alcançarem esse objetivo. Em meio a um “road/buddy movie” tradicional, temos dois momentos contrastantes que acabam definindo o rumo da obra. Em Denver, Max se apaixona e Lionel se vê rodeado por pessoas que genuinamente gostam dele. Diversão e harmonia são muito bem exploradas, como, por exemplo, nas cenas em que Max se aproxima de Frenchy e, ao fundo, Lionel, ingenuamente, tropeça, cortando o clima, e aquela em que Max pede ao amigo para bocejar a fim de distrair a vendedora de uma loja, mas decide correr feito um louco. Eles são presos – punição mínima – e o ex-detento culpa Lionel por “destruir” sua vida. Como na primeira cena, Max passa a ignorá-lo firmemente, o que fere o coração do carente e sensível marinheiro, que, pela primeira vez, se sentia abraçado, pertencente a algo maior.

Perdido, Lionel se junta a Jack Riley, cuja simpatia engana a todos. Bem relacionado no recinto, o sujeito livra o colega de trabalhos insalubres e se aproxima a ponto de fragilizá-lo. Em uma sequência perturbadora e que desencadeia o declínio mental do marinheiro, Riley tenta estuprá-lo e, sem sucesso, o espanca.

A reação de Max diz tudo: Lionel era seu amigo e vê-lo naquele estado o machucava. Obviamente, ele revida e, diferentemente da cena anterior, que retratava a violência de forma íntima e visceral, nesta, o diretor opta por um plano bem aberto, salientando o quão habituado Max estava a brigar.

Fora da prisão, os parceiros seguem a rota, agora em sintonias opostas. No trem, Lionel fica de costas, na escuridão, enquanto Max coloca as pernas para fora e grita. A energia contagiante e doce do marinheiro se esvai diante da maldade humana e é definitivamente sugada em um telefonema cujo efeito é o mesmo de uma facada no peito.

A montagem impressiona pela precisão. O timing é perfeito, confere agilidade e humor ao filme. Se eles se perguntam se existe algum emprego disponível, na sequência seguinte – em corte seco -, são literalmente jogados na rua pela porta dos fundos.

A direção de arte e a fotografia conversam, imergindo o espectador em ambientes desesperançosos, sujos, cinzentos e, surpreendentemente acolhedores. Claro, a prisão é como todas as outras, mas quartos e salas desarrumados têm a função de unir os personagens, que se apoiam em meio a dificuldades. Os planos abertos e barreiras simbólicas que os separavam no início se transformam e a equipe merece elogios por traduzir esse envolvimento a partir de sutilezas. O vermelho pode até estar associado a violência, mas sua conotação principal é a de desejo carnal, afinal, após seis anos encarcerado, Max está faminto como um animal.

Jerry Schatzberg já foi exaltado no texto e sua direção é de fato estupenda, não à toa, o filme venceu a Palma de Ouro, em 1973. Seu cuidado ao designar uma importância simbólica à lâmpada e criar uma bela rima entre a primeira e a última cena é especial. Visceral e realista em sua abordagem, Schatzberg estabelece uma narrativa envolvente, que, por mais regras que tenha, surpreende o espectador. Existe uma lógica contraditória até mesmo para a intensidade de close ups. No bar, ressaltam a alegria e a harmonia humana; na sequência do telefonema enfatiza a maldade e a melancolia que evitamos.

Schatzberg é inteligente, deixa o show para os intérpretes, dois dos maiores da história da sétima arte.

Gene Hackman consolida a hostilidade e frieza de Max magistralmente, o que torna o seu arco mais crível e formidável. Por trás daquela casca, existe um homem que esconde uma forte sensibilidade. A quantidade excessiva de casacos denota insegurança, camadas que escondem sua pele. A firmeza com que Hackman diz: “Não confio em nada. Não amo nada.”, é desmontada pelo seu desespero e emoção ao afirmar que não pode seguir adiante sozinho. A cena em que ele, em vez de brigar no bar, tira suas camadas – simbolismo – e começa a dançar reflete o efeito que Lionel teve em sua vida e reafirma a versatilidade de Hackman.

Al Pacino oferece a performance mais adorável, vulnerável e delicada de sua carreira. Seu personagem quer fazer algo, quer que os outros o amem como ele os ama. Otimista e esperançoso, Lionel sabe que precisa corrigir alguns erros, mas é a sua empatia, carinho e energia que o transformam numa das figuras mais amáveis de todos os tempos. Pacino é naturalmente assim, não faz esforço algum, assim como não faz para mudar radicalmente a expressão facial, com aquele olhar perdido digno de Michael Corleone. Gênios alcançam extremos em frações de segundos e Pacino é um deles.

A química e o contraste entre os dois é o grande charme de “Scarecrow”, uma verdadeira joia da “Nova Hollywood”.

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