Rosetta” é um filme sutil e realista que explora de forma íntima a vida de uma jovem confusa e solitária.
A protagonista corre atrás de um emprego, precisa cuidar da mãe alcoólatra e sofre com dores agudas na barriga. Ela mora em uma floresta, está acostumada a rejeições e não pode desistir. Em determinada cena, Rosetta repete para si os pilares de sua “vida dos sonhos”: um amigo, um trabalho e o fim da velha rotina.
Inquieta, a jovem precisa lidar com uma série de complicações. Os movimentos de câmera são frenéticos e refletem a psique da protagonista. Graças a direção impecável dos irmãos Dardenne, que a compreendem e a respeitam, às vezes é difícil saber para onde Rosetta está indo. Os diretores imprimem um grau de realismo impressionante – se ela está atordoada, a câmera assume esse estado. Os planos fechados realçam o intimismo da obra e captam as mínimas transformações na feição da protagonista. A utilização de sons diegéticos é fundamental para o tom do filme, assim como a fotografia, que opta por cores opacas que refletem a trajetória de Rosetta.
A câmera dos Dardenne capta a solidão humana como nenhuma outra. A protagonista raramente está acompanhada, é uma figura fria que precisa se responsabilizar por situações que não deveriam ser prioridades em sua idade. Ela não tem pai, nem amigos, apenas uma mãe, que é um pesado fardo. As duas brigam diariamente e invertem os papéis. Rosetta percorre as ruas cinzentas atrás de um emprego que nunca aparece e tem que cuidar da mãe, que bebe escondida e se relaciona com homens suspeitos. A protagonista não se parece com uma jovem, pois não age como uma. Não existe prazer em seu cotidiano, apenas uma briga incessante em torno de suas obrigações. Ela até encontra um amigo, mas não parece gostar dele, fica satisfeita apenas por ter conhecido alguém. Rosetta ainda tenta entender certos sentimentos, porém não tem tempo para se conhecer, afinal, precisa de um emprego. Há maldade e bondade dentro dela, o egoísmo se sobrepõe graças à falta de oportunidades e sua cabeça fica cada vez mais confusa. A protagonista ama a mãe, quer o seu bem e não aguenta vê-la naquela situação degradante. O seu sumiço traz um pouco de alívio, contudo, o restante segue caótico e conturbado. Ela se envolve com Riquet, pensa em deixá-lo se afogar num rio e o trai pelo medo de não conseguir ter uma vida normal. As dores na barriga ficam cada vez mais agudas. Rosetta se questiona, se arrepende e se depara com algo ainda pior. Suas forças vão se esvaindo e até esquecemos que aquela é apenas uma adolescente que não se conhece inteiramente, nem compreende os limites do aceitável. É exatamente por isso que os dois momentos mais belos do filme são aqueles em que ela age como uma criança genuinamente indefesa. O final é maravilhoso e acaba sendo uma ponta de esperança para o seu amadurecimento. Os grandes méritos dos Dardenne são a formação de um cotidiano rígido e a ênfase para situações simples. Nos apegamos aos detalhes e nos interessamos pela protagonista, mesmo que nem sempre a entendamos. Rosetta atenua a dor de barriga com o secador de cabelo, usa uma garrafa velha para pescar e esconde uma bota logo no início da floresta. Acompanhamos essas sutilezas repetidas vezes e, em vez de monótona, a obra se torna mais densa, encantadora e intimista. No meio de tanta dor, sofrimento e confusão, temos acesso a mínimos prazeres da vida da protagonista e, sem eles, Rosetta seria apenas uma jovem problemática. Seu olhar grita por um abraço ou por uma resposta e ninguém percebe isso – talvez nem ela -, apenas o espectador. Seu medo pela anormalidade se prova juvenil, já que, uma das características mais normais entre os humanos é enfrentar dificuldades.
A interpretação de Émille Dequenne é absolutamente fenomenal. A atriz quase não tem falas e sua expressão facial se altera de forma sucinta e delicada. Ela transmite uma gama de sentimentos poderosos, indo do medo e da angústia até a frieza e a solidão com muito pouco.
Vale ressaltar também o belo trabalho de montagem, que, através de cortes secos, conversa diretamente com o estilo cru e visceral dos Dardenne. A estrutura do filme é muito particular, foge do esquema tradicional de trama e basicamente segue cada passo da protagonista
Os irmãos belgas e a atriz principal saíram vitoriosos na edição de 1999 do Festival de Cannes e, segundo o próprio David Cronenberg – Presidente do júri naquele ano -, foi uma das decisões mais fáceis de sua vida.
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