Barbara Covett é uma professora prestes a se aposentar que enxerga tudo e todos de uma forma amarga e pessimista. Podemos chamá-la de “velha azeda”, no entanto, isso seria reduzir sua complexidade. Barbara nunca teve ninguém, um relacionamento ou uma amizade duradoura. Sua vida é vazia e escura, logo, quando alguém minimamente carente surge em seu caminho, Barbara tenta estender a mão e puxá-la para o seu lado. O problema é que a solidão impediu que ela pudesse desenvolver certas habilidades sociais e, ao invés de leal e agradável, a protagonista se torna, gradativamente, uma mulher egoísta e manipuladora. Amizade não é sinônimo de obsessão, muito pelo contrário, é um laço que exige espaço, entendimento e respeito.
Barbara pensa apenas em si e faz de sua visão uma verdade absoluta, uma forma de fragilizar sua “companheira”, que, com certeza, vive uma vida muito mais feliz e confortável do que ela.
A solidão é insuportável e é só por isso que não culpo a protagonista, cujo mal humor e acidez são justificáveis. Seu desejo é universal, mas suas atitudes a tornam uma personagem perigosa e difícil de digerir.
O alvo da vez é Sheba Hart, uma professora novata que a encanta rapidamente. Barbara faz de tudo para se aproximar e consegue um convite para um almoço. Chegando na casa de Sheba, a protagonista se depara com um patriarca, uma criança com síndrome de down e uma jovem comum. Suas caracterizações são cruéis e expõem a sua vontade de expulsar aquelas pessoas do convívio de seu “alvo”. Ela precisa de algo que coloque sua colega em suas mãos e encontra a chave para o sucesso em Steven Connolly, um aluno com quem Sheba mantinha um caso secreto. É um escândalo, Barbara faz questão de enfatizar, porém conforta a amiga, afirmando que guardará seu segredo, desde que haja reciprocidade na relação. Dessa forma, a protagonista prende Sheba em situações incabíveis, exige coisas absurdas e a expõe silenciosamente ao perceber o desgaste do relacionamento. Barbara não demonstra suas emoções, mas temos certeza de que seu coração salta de alegria quando Sheba pede refúgio em sua casa, após seu marido descobrir a traição.
A protagonista calcula bem os seus passos e monta o seu cenário lentamente, utilizando uma retórica chantagista e falsamente cordial. O grande mérito do roteiro é nos colocar numa posição de não poder julgá-la inteiramente, afinal, não fazemos ideia de qual é a sensação de passar uma vida inteira sozinha. No fundo, Barbara é apenas uma pobre coitada, um ser infeliz, mergulhado em uma melancolia impossível de se medir.
Em contrapartida, Sheba é uma mulher cercada por uma família afetuosa e, ainda assim, sente um vazio em seu peito. Ela é impulsiva e enxerga na charmosa e tentadora juventude de Steven a resolução de seus problemas. Além de ficar nas mãos de uma grande manipuladora, Sheba vive um grande dilema: a imoralidade por trás de um romance inocente e a dor por trair um homem que sempre a tratou com carinho. Perdida, ela acredita que o caso com o aluno é algo sério e cai em uma perigosa armadilha, que a machuca e encerra a sua carreira. Sinceramente, não consigo vê-la como uma criminosa, não há maldade em nenhuma das partes, enxergo apenas uma mulher confusa, que não mede suas atitudes e machuca aqueles que a amam. Sua ingenuidade é palpável e está em todos os cantos: no contrato invisível que assina com Barbara, na falta de diálogo com o marido e no envolvimento com um garoto de quinze anos.
“Todos desejam alguém mais jovem, só que as pessoas se controlam”, diz Richard, praticamente definindo sua esposa. Sheba é uma máquina desenfreada, que passa por cima de todos e que percebe, apenas no fim, que foi ela mesma que se danificou. Não sabemos o que será de seu futuro, mas temos certeza de ela se tornou uma mulher mais forte e experiente.
A fotografia varia entre tons azulados, cinzentos e escuros, que ditam o ritmo de “Notes On A Scandal”. O local no qual Sheba e Steven se encontravam é sujo e escondido, denotando, de certa forma, um julgamento do diretor.
A direção de arte é fundamental para a caracterização das personagens. Se a casa de Barbara é apertada e tomada por cores tristes, a de Sheba, é espaçosa e vibrante, contrastando com a sua camisa – quase sempre preta -, reforçando a sua complexidade.
A trilha sonora de Philip Glass está longe de ser memorável, sendo apenas um bom complemento para a atmosfera melancólica que permeia a trama.
A montagem de “Notes On A Scandal” é bastante efetiva em seus cortes, conseguindo elevar o suspense e o drama, trazendo situações paralelas que em determinado momento se unem e dizem algo importante para o espectador. A descoberta de Sheba e a sua volta para casa são excelentes exemplos desse competente trabalho.
A direção de Richard Eyre é discreta, praticamente neutra. Ele dá espaço para as atrizes se expressarem e desenvolverem suas personagens. Destacaria apenas um longo plano em que Barbara é introduzida à família de Sheba. “Notes On A Scandal” se baseia em reações, logo, Eyre abusa dos close ups, mas não há nada que realmente chame a atenção em seu trabalho.
Judi Dench, essa sim merece muitos elogios. Seria fácil detestar a protagonista e chegamos a sentir isso por ela, no entanto, sua complexidade permite que a enxerguemos por diversas óticas. Existe maldade e egoísmo, mas também desespero e solidão. A atriz controla suas emoções de uma forma tão impressionante, que somente através da excepcional narração, repleta de desprezo e um senso de superioridade, conseguimos desvendar certos mistérios e compreender reações futuras. O contraste entre a frieza natural de Barbara e a sua vontade de receber afeto é intrigante e Dench personifica essa solidão com maestria, provando que sua vida é um eterno e tortuoso ciclo de decepções.
Cate Blanchett tinha a difícil missão de acompanhar o nível de sua colega e, mesmo a considerando uma atriz magnífica, me surpreendi. Ela alcança e complementa Dench. Sheba é mais elétrica, jovem e indecisa. Seu nervosismo está em pequenos trejeitos, como a forma que ela mexe as mãos ou nas rápidas transições de emoções. Euforia e sofrimento estão lado a lado na composição de Blanchett, que se abre apenas para a única pessoa que não deveria. Sua pureza inicial vai se desfazendo, dando espaço a uma queda vertiginosa, que resulta em cenas dramaticamente poderosas.
Ainda destacaria a bela “ponta” de Bill Nighy, que interpreta o marido de Sheba. Ele faz de Richard o sujeito mais comum e humano possível, admitindo suas falhas, mas exigindo respeito e diálogo.
“Notes On A Scandal” é um filme calcado em grandes atuações e um roteiro excepcional.
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