Christine “Lady Bird” McPherson está prestes a sair da escola e precisa tomar decisões fundamentais para o seu futuro. Ela quer sumir da Califórnia e sonha em ir para Nova Iorque, mas a mãe enfatiza que é necessário “algo a mais” para entrar nas melhores faculdades.
Marion é uma mulher amarga, que tem extrema dificuldade em expor seus sentimentos. Sua cobrança excessiva e dureza são reflexos de uma pessoa que não consegue dizer a própria filha que a ama. Marion sabe que Lady Bird pode conseguir uma vaga em uma universidade fora de Sacramento, porém detestaria ver sua melhor amiga, uma espécie de alma gêmea, ir embora. Algumas de suas reações são egoístas, mas compreensíveis. Apesar de desejar o sucesso da filha, ela teme a solidão e não gosta de ser enganada. Talvez soe estranho dizer que as duas são almas gêmeas, afinal, pensam diferente e brigam constantemente, no entanto, além do claro afeto, o que vemos é uma dinâmica quase instintiva e remediadora, que vai da exaltação à leveza com muita naturalidade.
Logo de cara, Greta Gerwig nos apresenta como funciona aquela relação, com um plano no qual as duas dividem a mesma cama, seguido por uma longa sequência dentro de um carro em que elas choram, riem e brigam de uma forma bem específica.
Marion se enfurece ao descobrir que sua filha não passará seu último dia de ação de graças antes de ir para a universalidade com a família, o que é visto pela protagonista como falta de amor, sendo, na verdade, o exato oposto. Por outro lado, não conseguimos defender Marion quando ela exagera no tom ou ignora completamente a filha.
No fundo, não são as discussões que importam, mas o abraço no ano novo, os passeios de carro e o belo final.
Felizmente, o filme está longe de ficar apenas nessa esfera, se provando um profundo estudo de uma personagem em plena transição, que experimenta todas as angústias comuns aos adolescentes. Lady Bird não é o seu nome de batismo, é apenas uma provocação para a mãe e uma maneira de criar uma identidade própria em uma escola famosa por padronizar seus alunos. Os rituais católicos são tratados de forma banal e com um humor bem inteligente, sendo o principal momento aquele em que a protagonista e Julie, sua melhor amiga, comem hóstias não consagradas enquanto falam sobre masturbação.
O roteiro, também assinado por Gerwig, é um dos melhores da última década, conseguindo expor todas as facetas de uma adolescente em seu último ano escolar. Julie é a grande companheira de Lady Bird. Os diálogos entre elas são excelentes e denotam empatia, ainda que em determinados momentos a protagonista se coloque à frente, tratando a amiga com uma cômica insensibilidade e depois com indiferença.
Os pedestais dentro de uma escola são estabelecidos por questões financeiras e sociais e, se tratando de um filme sobre a juventude, essa parte não poderia ficar de fora. Gerwig descreve essas pessoas de forma certeira e irônica. A primeira pergunta que Jenna faz para Lady Bird é onde ela mora, revelando uma total falta de interesse na pessoa em si.
Jenna tem o melhor carro, afronta as freiras com suas roupas e acaba levando a protagonista para esse lado movido por futilidades e frieza. Lady Bird não gosta daquelas pessoas, quer apenas ser valorizada dentro de uma esfera maior e não percebe que já tinha tudo o que precisava. Jenna dá uma festa regada a sexo e bebidas com os pais em casa, o que salienta a péssima criação que esses jovens recebem. Gerwig utiliza um plongée para expor o estranhamento e o desconforto de Lady Bird perante a grandiosidade do ambiente. Jenna diz que ficou irritada com a protagonista por causa de uma mentira boba, mas sabemos que foi a verdade que a feriu: sua “amiga” vivia do lado errado dos trilhos.
Kyle, o segundo “namorado” de Lady Bird, é um pseudo intelectual que irrita pela indiferença que demonstra por qualquer coisa. Ele é vazio, insensível e é interpretado brilhantemente por Timothée Chalamet, que o transforma na personificação do jovem privilegiado e que se julga melhor que os demais. Não poderia haver um ponto de encontro melhor do que um estacionamento para caracterizar as interações entre esses personagens.
Em contrapartida, Danny, colega de teatro de Lady Bird, é doce, ingênuo e carinhoso. Diferentemente da relação com Kyle, Gerwig trata essa de forma gradativa, explorando momentos íntimos e delicados entre os dois. Ele esconde um certo segredo que acaba pondo um ponto final no relacionamento, não por maldade, mas por medo e a protagonista é sensível o suficiente para compreender sua dor.
O teatro não é apenas um meio para conhecer garotos, é uma forma de explorar um lado artístico, se expor e se divertir. Seu nome, Lady Bird, é uma metáfora para o seu desejo intenso de se descobrir, se apaixonar, seguir em frente e experimentar tudo que os jovens têm direito. A protagonista quer voar, todavia, está presa em uma gaiola, trancada pela mãe e por ela mesma, que demora a perceber certos detalhes.
Lady Bird é espontânea e idealiza demais. Os nomes dos rapazes na parede de seu quarto reforçam a sua busca por um príncipe encantado inexistente.
Seu pai é, sem dúvida alguma, o personagem mais amável e simpático do filme. Atravessando uma forte crise financeira e lutando contra a depressão há alguns anos, Larry faz o que pode para que os sonhos da filha se concretizem, ainda que isso signifique magoar sua esposa. Vemos o seu esforço diário para tornar um ambiente caótico em algo harmonioso e habitável.
No fim, não podemos afirmar que Lady Bird se sente segura com sua decisão, mas temos certeza de ela sabe exatamente de onde veio e quem são as pessoas verdadeiramente importantes em sua vida. Gerwig faz de seu desfecho uma carta de amor à juventude. Não há um final, aquele é apenas o início.
A diretora se sai muito bem em sua estreia, mostrando controle e fugindo de exibicionismos. Seus close ups são expressivos, principalmente o que leva a mãe de volta ao aeroporto e também aquele que indica sutilmente o interesse de Lady Bird por Kyle.
Suas escolhas musicais são ótimas e “Crash Into Me”, além de particularmente ser uma das minhas canções favoritas da década de noventa, tem uma importância enorme no arco entre a protagonista e Julie.
A fotografia ensolarada diz muito sobre o estado de espírito de Lady Bird, entretanto, o que mais chama a atenção, são os tons frios em sua casa, que ressaltam a difícil relação que tem com a mãe e a melancolia na vida de um casal que se desdobra para ganhar algum dinheiro. Alguns ambientes têm uma leve luz e enfatizam o amor que os personagens nutrem uns pelos outros.
Nesse sentido, a direção de arte combina com a fotografia, expondo a simplicidade dos McPhersons através de cores frias e presentes humildes. Percebam que o único cômodo realmente colorido e decorado é o da protagonista.
A diferenciação entre os espaços é importante para unir Julie e Lady Bird e por colocar os demais em uma outra realidade, atrelando o luxo à falta de educação e caráter. O cabelo e as roupas utilizadas pela protagonista são marcas de uma jovem autêntica e determinada, que, por mais que tropece, nunca cai.
A montagem é espetacular. Os cortes abruptos elevam o humor, ditam a trajetória de uma jovem em transição e exploram a tempestuosa relação entre mãe e filha. O filme é repleto de momentos de ação e reação e é o belo trabalho de montagem que os tornam eficientes. O longo plano no qual Lady Bird descobre o segredo de Danny é sucedido por uma cena em que ela chora ao lado de Julie – provavelmente a melhor sequência do filme.
Laurie Metcalf está excelente como a mãe rígida e indiscreta que ama a sua filha mais que tudo, no entanto, tem dificuldades de demonstrar essa emoção, optando por um comportamento passivo-agressivo. A atriz alcança a entonação ideal para afetar a protagonista, diz muito com o seu olhar cansado e sabe quando precisa dar um passo para trás e ser um pouco mais leve.
Saoirse Ronan oferece uma interpretação magnífica. É o tipo de personagem que qualquer jovem nessa idade consegue se identificar, graças ao talento da atriz, que encontra um balanço perfeito entre a rebeldia, a impulsividade, a timidez, a passionalidade, o êxtase, o medo, a tristeza e a sensibilidade para admitir erros. Ronan impressiona pelo timing cômico, caminha brilhantemente dentro de um arco que exige muito em pouco tempo e exibe uma rara genuinidade ao expor sentimentos complexos, contraditórios e relacionáveis.
“Lady Bird” é um filme sobre amadurecimento, transitar entre fases e observar pequenos detalhes que parecem banais, mas não são.
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