O natal é a época mais animada do ano. As pessoas vão às compras; as árvores são enfeitadas; as crianças ganham presentes; e todos se divertem. A neve é contagiante, um símbolo da pureza desse período. Billy é um jovem ingênuo e atrapalhado, assim como Randall, seu pai, que faz o possível para vender suas invenções mirabolantes. O simples fato de Lynn, a mãe, assistir “A Felicidade Não se Compra” é suficiente para captarmos a essência da família Peltzer. A situação financeira não é das melhores e Mrs. Deagles faz questão de relembrá-los, cobrando dívidas como uma senhora maquiavélica que ameaça cachorros. Em Chinatown, à procura de uma surpresa para o filho, Randall se depara com uma pequena loja, onde compra um mogwai, um bichinho fofo e adorável. Billy trabalha com Kate, por quem é apaixonado. O sentimento é recíproco, no entanto, nenhum dos dois está disposto a dar o primeiro passo. Pronto. Os elementos para um filme natalino agradável estão aí. A família simpática e unida que enfrenta dificuldades relacionáveis; a antagonista detestável; o romance jovial; a pequena cidade aconchegante; e o novo “animal de estimação”.
Joe Dante e Chris Columbus, o roteirista, em vez de seguirem as normas deste “subgênero”, criaram novas regras e elevaram o jogo a um outro patamar. Os três mandamentos dos mogwai são pontuados firmemente:
-Não podem ter contato com a luz solar (de preferência, nenhuma luz intensa).
-Devem ficar longe de água.
-Não podem, em hipótese alguma, se alimentar depois da meia-noite.
Gizmo, nome dado para o bichinho, acaba se molhando e, então, descobrimos o porquê do aviso: ele se multiplica, dando origem a vários peludinhos, porém com personalidades distintas. Liderada pelo mogwai listrado, a nova tribo dá um jeito de fazer uma boquinha na madrugada, transformando-se em criaturas monstruosas que visam apenas o caos. Alterar o tom de um filme não é nada simples e “Gremlins” realiza tal manobra com uma expertise raríssima. Os mandamentos são o ponto de partida para a subversão – sem as pistas, nada faria sentido. O plano-detalhe dos mogwai comendo nos leva a crer que algo estranho está prestes a acontecer. Os casulos de aspecto bizarro colocam mais uma pulga atrás de nossa orelha. A fumaça confere um aspecto vilanesco aos monstrinhos. Por que a câmera se aproxima tão lentamente da caixa? Dante alonga as sequências e demora a mostrar o gremlin por inteiro, passando a investir numa atmosfera tensa. O jumpscare é um elemento narrativo comum a que tipo de filme? Eu imagino a quantidade de crianças que ficaram traumatizadas.
A pequena cidade em clima natalino é o palco de barbaridades inimagináveis e de assassinatos cruéis. Sentimos pena até de Mrs. Deagles, que é catapultada de sua janela. A neve, antes símbolo da alegria, marca as pegadas dos gremlins. A escuridão, além de beneficiá-los, deixa a situação mais angustiante, o que é potencializado pelo inteligente jogo de sombras. Dante e Columbus são igualmente inteligentes ao inserirem camadas cômicas, tratando a balbúrdia como um absurdo de múltiplas proporções. A cena no bar, na qual o grupo se embebeda e fuma, é engraçadíssima. Por mais vândalos e asquerosos que sejam, não há como negar: eles são carismáticos. A trilha sonora é milimétrica, aderindo, simultaneamente, ao caos e à diversão. Em outro momento, eles tomam conta do cinema, assistem a “Branca de Neve e os Sete Anões” e cantam o famoso tema “Eu Vou”. Enquanto tememos pelas vidas de Billy, Kate e Gizmo, abrimos um largo sorriso – esse equilíbrio deve ser considerado uma proeza.
O roteiro ainda costura um romance que, devido ao turbilhão de acontecimentos, poderia soar forçado. Mas não, a química entre Billy e Kate havia sido introduzida no início e a aproximação, em meio ao perigo, é orgânica. O clímax faz jus às ambições de Dante, mexendo com as emoções do espectador de uma forma incomum e encantadora – Gizmo deve figurar na lista de dez criaturas mais fofas já postas em tela. Os efeitos práticos são primorosos; uma pena que tenham caído em desuso graças ao CGI (cada vez mais artificial).
“Gremlins” é um dos filmes mais importantes lançados na década de oitenta.