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Alguns filmes já nascem ofuscados. Esse é o caso de “Fail Safe”, de Sidney Lumet, que foi lançado poucos meses após “Dr. Strangelove”, de Stanley Kubrick. Apesar das temáticas idênticas e de algumas características narrativas similares, as obras se complementam, afinal, seus tons são completamente diferentes. Kubrick usou o contexto da Guerra Fria para realizar uma comédia ácida, enquanto Lumet partiu para um lado mais tenso e sombrio. Em ambos os filmes, o Presidente americano conversa com o Chanceler russo. Em “Dr. Strangelove”, rimos do absurdo que envolve o diálogo entre os líderes; em “Fail Safe”, presenciamos o medo e a desesperança de homens que sabem que erraram e querem evitar a guerra a qualquer custo, mas que estão dispostos a tomar decisões delicadas.

Após um erro no sistema, um grupo de aviadores é enviado para destruir Moscou. A tecnologia americana avançou tanto, que nem os cientistas responsáveis por ela a entendem inteiramente. Se uma simples falha de comunicação é capaz de colocar tudo a perder, concluímos que a guerra não era apenas contra os soviéticos, mas contra si. A falha não pode simplesmente ser revertida, pois existem regras e ordens diretas que proíbem os pilotos de abortar a missão. É realmente fascinante que nada tenha acontecido naquele período; tudo conspirava para uma aniquilação em massa. A máquina foi construída por homens, logo, se ela falhou…

E, se os soviéticos, de alguma forma, interferiram no sistema americano, confundindo-os? O domínio do mundo anda de mãos dadas com sua destruição e “Fail Safe” coloca os responsáveis pelos botões numa situação de extrema vulnerabilidade. No fim, dois generais, um russo e um americano, conversam pelo telefone; as diferenças ficam de lado e eles se tratam como amigos que visam a mesma coisa. É preciso atingir esse nível de calamidade para chegar a um acordo de cavalheiros. Assim como Kubrick, Lumet divide seu filme em núcleos, transitando entre eles com uma agilidade taquicárdica. No avião caça, os pilotos partem, com suas ogivas nucleares, em direção a Moscou. Os rostos e entonações vocais salientam a condição de homens que seguem mandamentos à risca; homens resignados e determinados. Na sala de guerra – que nome apropriado -, oficiais e cientistas discutem as possibilidades e não obtêm uma conclusão. Alguns acham que essa é a chance de pegar o inimigo desprevenido e destruir a ameaça comunista; outros rejeitam tal ideia completamente, acreditando nos princípios que regem o país da “liberdade”. O nome da sala e o teor do debate são sintetizados pelo formato da mesa, que remete a um avião caça.

No centro de comando, generais aguardam por ordens e tentam entender o que aconteceu de errado no sistema. Por mais treinados que esses sujeitos estejam, ninguém está preparado para tamanha responsabilidade. Todo dia é um tormento; todo dia pode ser o último. O descontrole dos fardados é uma demonstração de humanidade. Por último, temos a pequena e protegida sala onde o Presidente, com o auxílio de seu tradutor, age para que as coisas caminhem para um desfecho, no mínimo, razoável. A diplomacia em tempos atômicos é personificada em Henry Fonda, cuja postura irretocável é abalada em poucos momentos. Ele sabe o que deve dizer e não desaba ao ser obrigado a tomar uma medida extrema. Ao transitar com tanta astúcia por esses cenários, Lumet, auxiliado por um impecável trabalho de montagem, expõe emoções fortíssimas – do pânico à melancolia; da incredulidade à aceitação -, oriundas de homens acostumados com a sisudez diária. Lumet dificilmente abre o quadro, explorando o rosto dos personagens, principalmente o do Presidente, que é quem comanda a operação. Os close ups e planos-detalhe, somados à intensidade dos cortes, transformam o filme numa verdadeira panela de pressão. O zoom que reforça o erro no sistema e o corte rápido, fechando o quadro no telefone do Presidente, são artifícios que potencializam a atmosfera desesperadora idealizada pelo cineasta.

A fotografia em preto e branco é apropriada; as sombras marcam os rostos de homens que estão diante daquilo que foram programados para evitar; homens que, a cada minuto, passam a aceitar o inaceitável. O design de som é primoroso. O falatório é sucedido por um silêncio digno do cinema mudo – escutamos apenas as máquinas; as expressões faciais falam por si. Na medida em que as opções se esvaem, o Presidente e o Chanceler chegam a uma decisão que surpreenderá até o mais pessimista dos humanos. Poucos desfechos são tão assombrosos quanto este. O elenco é estelar, mas destaco Larry Hagman, que, ao dar vida ao tradutor, incorpora as emoções do Chanceler russo, o que não é nada fácil.

“Fail Safe” é uma obra prima que precisa ser resgatada por novas gerações.

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