Que tipo de pessoa é presa por “decapitar um parquímetro”? Apenas Luke, um herói de Guerra que vive uma vida vazia e despreocupada.
Na cadeia, os novatos precisam ganhar a confiança dos veteranos e obedecer a certas regras. O protagonista, com seu jeito blasé e cool, rapidamente chama a atenção de Dragline, o líder entre os presidiários. Em uma luta, Luke é surrado, porém não desiste e quando participa de uma partida de Poker, mesmo não tendo carta alguma, blefa irretocavelmente, enganando seus oponentes. Com sua coragem e personalidade destemida, Luke conquista Drag e seus aliados, tornando-se a figura central no presídio.
No encontro com sua mãe, o protagonista admite que teve uma namorada e bons empregos, no entanto, nunca se sentiu encaixado na sociedade. Completamente perdido, deslocado e entediado, ele parece determinado a encontrar um espaço próprio. Um pouco como em “MASH”, apesar de estar longe de ser uma comédia escrachada, os personagens aqui se unem e fazem de tudo para esquecer que estão vivendo acorrentados. Por que todos asfaltam uma estrada correndo e rindo, conscientes de possíveis punições? Por que Luke devora cinquenta ovos seguidos? A resposta é simples: para deixar o ambiente mais leve e ameno. Naquele pequeno dormitório, o protagonista tinha amigos, pessoas que respeitam o seu luto no dia da morte de sua mãe, que se preocupam com sua segurança e que se sentiam genuinamente à vontade ao seu lado. Em determinada cena, Luke é obrigado a comer um prato gigantesco de arroz e, espontaneamente, seus colegas o ajudam a terminar a refeição. Ninguém diz nada, o gesto é mais do que suficiente para entendermos o tamanho daquele apreço.
O protagonista foge recorrentemente e, em nenhum momento, passa a ideia de realmente querer sair da prisão. Sua fuga, como tudo o que foi mencionado acima, é um meio de evitar a monotonia, de assumir o vazio de sua existência. Ele parece inabalável, retorna à prisão como se estivesse reencontrando grandes amigos, o que, gradativamente, fere o orgulho dos donos do recinto, que decidem pegar pesado com o “nosso herói”. Cada vez mais isolado e machucado, Luke nos leva a acreditar que foi transformado em um cachorro que obedece a seus comandantes. O desfecho, de certa forma, deixa claro que o protagonista, ainda que admita que nunca tenha um plano – o que vale para a sua vida de modo geral -, planejava uma última fuga. Digo última, porque, de fato, a cadeia havia deixado de ser um ambiente prazeroso e engraçado, repleto de amigos. Os inimigos o controlavam e o que, a princípio, nos leva a crer que tudo ficará bem, é, na verdade, um adeus.
A fotografia é bastante expressiva. Os tons quentes ressaltam o carinho e o afeto entre os prisioneiros, mas também reforça a insalubridade do trabalho braçal que realizam – o sol chega a assumir a conotação de inferno. O tom acinzentado está diretamente ligado à degradação de Luke, que inicia quando sua mãe falece. Por último, o vermelho, que já aparecia no céu, retorna no clímax – no farol da viatura -, salientando os métodos brutais e violentos adotados pelos policiais.
O diretor Stuart Rosenberg utiliza uma abordagem íntima e própria. O uso de contra-plongées ao apresentar autoridades é natural. Seus planos gerais exploram a beleza das paisagens, que contrastam com o trabalho dos presidiários – a natureza em si x a natureza animalesca das cadeias. Os close ups estão presentes e impressionam especialmente numa sequência na qual os prisioneiros observam uma moça provocativa lavando seu carro, como se fossem adolescentes em plena puberdade. Não é somente uma questão de desorientação prévia, Rosenberg afirma que os presídios não reeducam, pelo contrário, afloram o ódio e a infantilidade. Na icônica cena dos ovos, o diretor usa planos fechados, zooms e planos-detalhe de relógios, potencializando a tensão. Entretanto, o que realmente torna essa sequência angustiante, é a constante movimentação de Luke, cuja dor é absolutamente palpável. O travelling que passeia pelos rostos de seus colegas quando ele recebe a notícia do falecimento de sua mãe é belíssimo. Rosenberg também sabe a hora de fechar o quadro e respeitar o espaço do protagonista. A câmera na mão, na luta entre Luke e Drag, emulando o atordoamento do primeiro, merece elogios. A autoridade máxima da prisão é, invariavelmente, apresentada através de um zoom que invade seus óculos escuros – forma elegante de expor sua imponência e poder. É interessante notar a rima que o diretor realiza com os óculos, destroçados pela viatura no desfecho, quando Drag esmurra o “chefe” – seu primeiro e único momento de fragilidade.
A montagem é primorosa, inteiramente responsável pela construção de um suspense crescente e por emular o comportamento contagiante dos prisioneiros a partir de cortes dinâmicos que conferem à narrativa uma rara agilidade. A associação do “chefe”, primeiro com o sol escaldante, depois com as hélices de um ventilador, é fundamental para a sua caracterização.
O roteiro aborda a questão dos heróis americanos de Guerra que retornam e são completamente abandonados de maneira sutil, mas suficientemente condenatória. Em relação a Luke, é difícil dizer exatamente o que o tirou dos trilhos. Sempre foi assim? Ele é o favorito da mãe, teve acesso a coisas que a maioria apenas sonha em ter e não é uma má pessoa. A falta de uma figura paterna talvez o tenha levado a esse destino. Só podemos afirmar que, diferentemente do que significa para os demais, para Luke, a prisão é uma espécie de acampamento, um lar onde o tédio é remoto e o afeto é verdadeiro.
Paul Newman oferece uma performance marcante. Luke é cool, empático e solitário. O único que confronta seus superiores. Seu olhar denota confiança e tranquilidade, todavia, no fundo, esconde medo e desespero. Ele sorri quando algo engraçado ou divertido acontece, é espancado por alguém maior e tem extrema dificuldade para engolir cinquenta ovos. Por mais icônico e descolado que seja, o grande mérito na composição de Newman é não o descolar da realidade. O protagonista é humano, seus sentimentos e reações são absolutamente relacionáveis. É fácil gostar de Luke, seu senso de união e efeito inflamatório são especiais. Seu último gesto não poderia ser outro, a não ser um sorriso. Um herói à margem da sociedade, que encontra na marginalização o que buscou a vida inteira.
Repleto de sequências memoráveis, “Cool Hand Luke” é um clássico da sétima arte.
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