Ellis não aguenta mais as pacatas ruas irlandesas. Os garotos são iguais, seu trabalho é detestável, os bailes são vazios e os ambientes transmitem uma certa melancolia. Ela quer caminhar em busca da felicidade, respirar novos ares e parte para Nova Iorque, especificamente para o Brooklyn, deixando para trás a mãe e a irmã, ambas carinhosas e acolhedoras.
Existe uma certa contradição por parte da protagonista, que fala de sua pequena cidade natal com desprezo, no entanto, ao chegar nos Estados Unidos esbanja apatia e tristeza. Ellis sentia falta do afeto materno, afinal, não conhecia ninguém em Nova Iorque. O casaco verde é uma clara forma de representar essa amarra, um vínculo com seu país, que, gradativamente, se corrói na medida em que ela se encontra no novo país e passa a se relacionar com um rapaz.
Tudo é grande e abarrotado no Brooklyn, contrastando com a vazia e silenciosa ilha irlandesa. Ellis trabalha em uma loja e precisa lidar com clientes, demonstrar ânimo e faz um esforço genuíno para satisfazê-los. Hospedada na casa da tia, a protagonista divide a mesa com três primas ciumentas. A interação entre elas é acompanhada por uma montagem dinâmica, que expõe a disputa de egos, além de trazer um certo humor à trama. As mulheres sentem que se não se casarem estarão falhando com o que lhes foi destinado, o que, se hoje em dia pode ser visto como uma grande bobagem, na década de cinquenta fazia todo o sentido.
Elas não são maldosas, apenas projetam suas inseguranças sobre os próprios futuros em cima de pobres coitados. Nesse sentido, a mise en scéne é bastante expressiva. Percebam como a tia – dona da casa, a pessoa que dá a última palavra – se senta à cabeceira, enquanto as três se colocam ao seu lado, tentando chamar a atenção. Ellis fica um pouco mais distante, quieta, e a outra hóspede se situa no fim da mesa – uma mera coadjuvante naquele espaço.
A ansiedade e a angústia da protagonista, que espera diariamente por cartas da irmã ou da mãe só se atenuam quando um padre, amigo da família, a coloca em uma faculdade e quando ela conhece um garoto em um baile.
Não por acaso, ele aparece de camisa verde, indicando que algum tipo de afinidade os dois dividiam. Tony não é irlandês, mas adora as irlandesas; apresenta trejeitos típicos de um italiano, contudo, vai além de estereótipos, demonstrando muita sensibilidade na forma como trata Ellis.
A protagonista não quer parecer oferecida, mas não dificulta as coisas. É humana e quer se relacionar com alguém, sair do buraco que se enfiou. O assunto favorito de Tony não é contabilidade, entretanto, escutar Ellis o faz sorrir e o fato dele, por boa parte do tempo, esconder o seu principal hobby – beisebol -, é uma nobre demonstração de preocupação. Ellis está mais confiante, de bom humor e alegre. O roteiro deixa claro que, nesses casos, o tempo é um grande aliado, ainda que seja responsável por algumas feridas. Mais que isso, é preciso se expor um pouco e um baile inofensivo pode ser uma boa ideia.
Assistir a “Singin In The Rain” não é apenas uma ida ao cinema, é o diretor dizendo que as coisas estavam caminhando bem e que talvez estivesse na hora de Ellis conhecer os pais de Tony.
Assim como a sua casa na Irlanda, a do namorado é simples e humilde, mas repleta de elementos que salientam a harmonia e o afeto entre os familiares, por exemplo, as cores quentes e a mesa de jantar, que os une.
Tony sente que está na hora de se declarar e é interessante notar o quão confusa a protagonista fica. Aquilo significa muito e não seria justo dizer algo apenas por dizer. Ellis é tão honesta em relação às suas emoções, que elabora uma forma de explicar exatamente o que sente pelo namorado. Em um filme repleto de diálogos excelentes, esse talvez seja o mais honesto e doce. No melhor momento de sua vida – formada e apaixonada -, Ellis recebe a pior notícia possível: sua irmã havia morrido.
A escuridão, bastante ressaltada no início, volta a tomar conta da tela e Tony precisa ser maduro para entender a situação. A protagonista precisava voltar para casa, a fim de ajudar a solitária e deprimida mãe.
Com medo de perder algo tão precioso, ele decide pedi-la em casamento, que aceita, mesmo não tendo certeza da veracidade das palavras do namorado.
Eles falam sobre o futuro com a ingenuidade de jovens apaixonados e, ainda que seja apenas um encanador, Tony é quem vislumbra os grandes planos.
Chegando na Irlanda sem falar para ninguém sobre o matrimônio, Ellis se depara com a mãe profundamente abatida e sempre que é convidada para sair com a melhor amiga, olha para ela sem dizer nada, mas claramente pedindo permissão.
Nancy, já casada e sem saber de seu compromisso, convida Jim para passear e, quem sabe, se envolver com Ellis. A princípio, a protagonista olha para tudo com o mesmo rancor, mas, lentamente, percebe que nem todos os rapazes eram iguais e que, formada em contabilidade, poderia arranjar um emprego sustentável. O Brooklyn mudou sua vida e transformou a pacata ilha em um lugar tranquilo, habitável e prazeroso. Jim também era gentil e fala sobre seus sonhos com intensidade. Ele tinha noção de que não conhecia nada e de que todos os habitantes daquela cidade eram cegos, presos a uma realidade previsível e irreal em relação ao mundo. Sua família é rica, sua casa é enorme, destacada por um enorme jardim e objetos de um valor inestimável, contrastando com a realidade de Tony. O voiceover expõe perfeitamente as diferentes perspectivas: enquanto Ellis se divertia, se interessava por um outro homem e trabalhava com o que gostava, Tony, aflito e receoso, implora para o irmão mais novo escrever belas cartas a ela.
Jim tem os seus sentimentos, não pode negá-los e, sem perceber, coloca Ellis contra a parede. Todos na cidade os veem como um casal, mas a protagonista sabe que a situação não é tão simples assim e precisa se decidir.
No fim, “Brooklyn” é um filme sobre amadurecimento, priorizar a si e encontrar uma casa nos braços daquele que realmente ama.
A direção de arte merece elogios pela reconstituição de época, trazendo um aspecto retrô ao filme. Alguns detalhes merecem ser ressaltados, sendo, o principal, o porta-retrato de Ellis na mesa de trabalho que um dia foi de sua irmã, algo que certamente a machuca. Os figurinos são parte fundamental para a caracterização dos personagens. As roupas americanas são muito mais modernas que as irlandesas, o que é constatado na cena em que a protagonista usa o seu maiô verde na praia. O diretor John Crowley utiliza close ups cada vez mais íntimos de Ellis. O andamento e as emoções do filme estão ali e ele explora cada reação de seu rosto. O plano em que ela passa pela imigração e se depara com um raio luminoso simboliza sua expectativa.
Emory Cohen se sai muito bem como o jovem humilde, trabalhador e sensível que se apaixona. O ator controla a entonação e torna o personagem um sujeito empático. O mesmo pode ser dito sobre Domhnall Gleeson, que, a princípio, é visto pelo espectador com antipatia, no entanto, vai se mostrando um rapaz tão puro e gentil quanto Tony. Aí que está uma das grandes sacadas do roteiro: no fundo, não faz diferença se Ellis vai escolher o rico ou o pobre, ambos são dignos de seu amor.
Saoirse Ronan oferece uma performance sutil, calcada em expressões faciais e reações genuínas. O seu esforço para se manter em silêncio quando faz sexo é notável, assim como sua mudança na entonação, sua alegria, seu sofrimento e sua dúvida. Esse não é o seu melhor papel, mas foi o que a colocou de vez no radar de Hollywood.
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