Bob Dylan – Don’t Look Back

O filme de D.A Pennebaker é extraordinário, uma verdadeira aula de cinema. Os bons documentários devem nos fazer sentir como moscas dentro de um quarto. Não deveríamos ter acesso àquelas imagens, entretanto, de alguma forma, temos e isso se deve ao enorme talento do diretor, cuja câmera nunca se torna intrusiva, caso contrário não haveria tanta fluidez e espontaneidade. O filme se passa na turnê de Dylan pela Inglaterra, a última antes de sua grande mudança para a guitarra elétrica. Além de ser interessante, esse fato ajuda na compreensão da personalidade do músico, que parece ainda estar encontrando um tom certo entre o irônico e o deselegante.

Pennebaker mantém uma coerência narrativa bastante específica ao longo dos noventa e seis minutos de duração. O documentário passeia entre entrevistas, momentos de intimidade entre Dylan e seus amigos e os shows. Os jornalistas perguntam sobre o sentido de suas canções, gostam de rotulá-lo, não são muito criativos e parecem ter medo das respostas. Em contrapartida, Dylan, como todo grande artista, acredita que destrinchar suas composições é um exercício infantil e preguiçoso, que não faz sentido algum. O fã deve tirar algo delas, cada um é afetado de uma forma diferente. Ele não gosta de rótulos, pois sabe que está em constante rotação e prestes a causar um estrondo no universo da música. Dylan olha para as guitarras elétricas na vitrine de uma loja de maneira despretensiosa, mas sabemos que sua cabeça nunca para de pensar. Ele é irônico com os jornalistas, os desmonta, muda a conotação das perguntas, os desafia, se torna o entrevistador e por vezes os menospreza. Às vezes Dylan é doce e brinca, em outras oportunidades suas alfinetadas são precisas e contundentes – Time Magazine -, mas seu tom nem sempre é o correto. A fama, que não parece desejada, ainda mais quando se é jovem, traz um perigoso senso de auto importância. Dylan, ocasionalmente, é deselegante e rebaixa o entrevistador, tratando-o como se ele fosse um ser inferior ou menos importante. A verdade é que como todo ícone de uma geração, Dylan foi importunado pela mídia e é fascinante ver a forma como o músico lidava com isso. Sua ironia é inteligente, assim como suas pontadas, mas ainda existia um certo grau de imaturidade que poderia ser mal interpretado.

Os momentos mais bonitos e íntimos do filme são os que o protagonista divide com os seus amigos. Dylan não precisa dar respostas, nem se impor. Ele é leve, atende a pedidos de canções, conversa sobre temas importantes e outros nem tanto, briga com alguém quando uma garrafa de vidro é atirada pela janela de seu quarto e faz as pazes, ri, fica em silêncio, pensa e se diverte. São reações genuínas, que tiram o gênio do pedestal e o coloca no mesmo nível dos demais. Os amigos admiram a sua genialidade, porém, em nenhum momento o tratam como um ser superior. Eles o respeitam não pelas composições, mas pela pessoa que é e isso fica nítido pelo nível de intimidade que têm. Dylan está cercado por pessoas que o amam verdadeiramente. Sua relação com os fãs também chama atenção. Ele se aproxima de algumas garotas, conversa, faz brincadeiras e se afasta. Dylan tem um carisma peculiar, conseguindo, mesmo sem esconder sua timidez, ser expressivo e charmoso. Não há nada óbvio no protagonista e é por isso que ele é uma das figuras mais cativantes de todos os tempos.

Os shows são absolutamente maravilhosos. No último, Pennebaker coloca sua câmera atrás do artista, valorizando a luz em sua direção e logo depois utiliza um plongée para salientar a singularidade e genialidade de Dylan.

Suas músicas são como ele: difíceis, complexas, desafiadoras e encantadoras.

“Don’t Look Back” é um dos melhores e mais intimistas filmes que já assisti.