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Visitando uma Igreja católica, Ben, judeu, diz ao Padre que não existe céu nem inferno em sua religião, apenas Nova Iorque. Esse é o tipo de humor contemplado em “Between The Temple”, cujo protagonista é o cantor de uma sinagoga que perde a voz e a própria fé. Passando por uma crise existencial, Ben é surpreendido por sua professora de música na escola, que não é uma judia “pura”, porém deseja realizar um bar mitzvah. O que a cerimônia significa? Uma festa para adolescentes? O marco de um período de amadurecimento? Para o roteiro, este é um momento transformador, que não está necessariamente ligado a tradições religiosas, mas a uma genuína vontade de progredir, encontrar respostas para dilemas e ser feliz.

Acostumado com jovens que dormem durante as aulas, o protagonista estranha a presença de Carla.

-Eu tirava A na sua matéria.

-Todo mundo tirava A em música.

Assim como Ben, ela perdeu seu parceiro recentemente e se encontra num buraco. O protagonista tem passado muito tempo com suas mães – sim, tem duas -, que querem o seu bem, apesar de serem demasiadamente intrusivas. Se elas acreditam que o filho precisa ir ao médico, no minuto seguinte a doutora bate na porta. Em outra cena, Ben é praticamente obrigado a conversar com Gabby, filha do Rabino. A posição dos personagens no quadro ressalta essa imposição, as coisas são arranjadas sem a autorização do protagonista que, por mais infeliz que esteja, é capaz de tomar decisões. Em um bar, ele toma uma surra e, ao ser perguntado onde mora, diz: “eu vivo no mundo”. Jason Schwartzman é dono de um timing cômico infalível. Suas reações, tanto para situações casuais quanto para as tradições judaicas são impagáveis. Ele concilia um humor agradabilíssimo com a melancolia de um homem perdido. Ben não pode andar de muleta, precisa reaprender a viver, a sentir algo além de dúvida e vazio. Carla, mesmo tendo idade para ser sua mãe, divide dores similares. Suas interações não são planejadas, pelo contrário. Ambos buscam sentido para suas existências e o judaísmo é a ponte para a fomentação desse laço. Ela o ensinou a cantar, agora era a vez dele retribuir. Esse é o ponto de partida para uma relação que transcende o bar mitzvah. Pela primeira vez em anos, Ben conversava com alguém que não o via como um pobre coitado ou uma marionete; em contrapartida, Carla não precisava se preocupar com suas excentricidades, podendo se abrir sem receio. A carência de conexões orgânicas acarreta a falta de fé e insegurança. O filme não se vale de diálogos densos e reflexões, a afeição surge em situações naturais. O protagonista adora o hambúrguer indicado por ela, todavia, ao ser avisado que contém queijo e carne, cospe tudo – sua religião não permite tal combinação. Em outra situação, Carla lhe oferece um chá misterioso, responsável por transportar Ben para outra dimensão, o que é realçado através do uso de time lapse. Na cena mais bonita, Carla coloca na vitrola o único disco que lançou. A split screen apresenta os dois dormindo e usando pijamas da mesma cor, no caso, vermelho – amor. Ben se restabelece, sua aparência melhora e, em vez de esperar um ano para a cerimônia, decide realizar o bar mitzvah após três semanas de aula – não é sobre o tempo, mas sobre a compreensão. O Rabino acha aquilo estranho e precipitado, no entanto, ao descobrir que ela faria uma doação ele rapidamente muda de ideia – uma leve e rápida alfinetada.

O filho de Carla não gosta nada da situação. É insensível em relação ao bar mitzvah e estranha a presença recorrente de Ben, o que reforça a solidão da personagem.

O jantar é, sem dúvida alguma, a cena mais intensa do filme, encapsulando perfeitamente a abordagem do diretor Nathan Silver. Ele explora a angústia/claustrofobia do protagonista e extrai um humor deliciosamente intimista dos personagens, principalmente de Ben, optando por manter o quadro praticamente sempre fechado – inclua planos-detalhe nessa equação -, e confere agilidade à narrativa a partir de cortes constantes e da movimentação de câmera. Essa sequência é uma verdadeira panela de pressão, na qual Silver potencializa os artifícios citados acima e quebra a expectativa da família do protagonista. Todos esperavam pela oficialização do namoro entre ele e Gabby, mas…

Basta dizer que a primeira reação ao que Ben diz é: “você está de sacanagem?”, para que entendam quão engraçado e desconfortável é o jantar. Algumas pessoas não querem que seus entes queridos sejam felizes, querem somente ter controle absoluto perante suas ações e escolhas.

A quebra do padrão no desfecho denota empatia. Silver vai para um plano aberto, abandonando o caos, dando um respiro a Ben e Carla no tão esperado evento – que não poderia ser mais apropriado.

A fotografia em tons frios conversa com a condição dos personagens. A direção de arte é rica em detalhes, sendo o principal a enorme pintura do protagonista na casa das mães – ele vive lá. A imagem pode passar despercebida, contudo, salienta o domínio “do bem” que elas exercem sobre Ben.

Jason Schwartzman oferece uma performance fenomenal. Wes Anderson, de alguma forma, moldou o seu estilo – tenho certeza de que os fãs do cineasta irão adorar este filme. Schwartzman tem uma rara capacidade de transitar dentro da persona que estabeleceu. Seus personagens, em maior ou menor grau, são frios, no entanto, ele consegue, através de gestos sutis e de uma capacidade invejável para a comicidade, torná-los dignos de compaixão e inegavelmente humanos. Schwartzman elabora composições únicas e essa é uma das melhores de sua carreira.

“Between The Temples” é um dos melhores filmes que assisti no Festival de Berlim. 

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