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Em “Os Incompreendidos”, Antoine Doinel era uma criança em busca de liberdade; em “Antoine e Colette”, ele experimentou a dor da rejeição amorosa; e em “Beijos Proibidos”, aos 24 anos de idade, nosso amigo está em busca de sua vocação.

O filme começa com Doinel sendo expulso do exército, no qual se alistou voluntariamente, por não prestar qualquer tipo de serviço útil. Ele surge lendo um livro de Balzac, o que denota um cuidado de Truffaut em estabelecer paralelos com as obras anteriores. O protagonista, então, passa por diferentes empregos, sem conseguir se manter em nenhum. A família Darbon o acolhe e o ajuda em suas empreitadas. Doinel é amigo de Christine e enviou centenas de cartas a ela enquanto esteve no serviço militar, sendo, o seu recorde, dezenove em uma única semana.

Doinel é romântico, imaginava que Christine se derreteria ao revê-lo, mas não, a moça está mais interessada em novas companhias. O jogo de gato e rato entre os dois perdura até o fim; o protagonista, ao perceber que é tratado com certo desdém, faz questão de ignorá-la e as posições se invertem.

Seu novo trabalho é como guarda noturno em um hotel. Não há muito o que se fazer, a tranquilidade se confunde com a monotonia e nada parece capaz de estragar o progresso de Doinel. Todavia, quando um detetive particular invade o quarto de uma hóspede, acarretando uma baderna imensa, ele é demitido. A fim de compensá-lo, o detetive lhe concede uma vaga na agência. A montagem confere agilidade à narrativa e, a partir de cortes secos, evidencia o caráter passageiro das ações do protagonista, elevando também o timing cômico. Nem chegamos a ver a negociação de contrato, na cena seguinte, Doinel, com a discrição de um elefante, já acompanha os passos de uma mulher, no exercício do seu novo ofício.

Seu ímpeto carnal está à flor da pele. Assim que é dispensado do exército, vai a um bordel e quando fica a sós com Christine, tenta beijá-la. Seu impulso é o mesmo de um náufrago que não se alimenta há meses, o que conversa com sua idade, a falta de experiências e a dura infância que teve. Em seu novo caso, Doinel precisa descobrir porque todas as funcionárias de uma loja de sapatos detestam o patrão. Simples: Georges Tabard é desrespeitoso, esnobe e insensível. A obviedade se perde quando o protagonista conhece Fabienne, esposa de Georges, e fica completamente hipnotizado. Uma de suas colegas pede por uma descrição dela e Doinel exagera na honestidade:

-Ela é fantástica! Um pouco vaga e um pouco gentil. Ela tem um adorável nariz arrebitado.

-Nós queremos um relatório, não uma declaração de amor.

Fabienne é uma aparição, um anjo intocável. Ao vê-la, o protagonista não pensa num relacionamento, mas na imprevisível beleza feminina. Com Christine é diferente; as brigas são sintomas de um casal que, muito em breve, estará junto, desfrutando da tranquila vida a dois – não à toa, ele tem uma foto sua pendurada na parede de sua casa.

Casada com uma figura intragável, Fabienne fica lisonjeada com o encantamento de Doinel. Por acaso, outra detetive estava vigiando a Sra. Tabard e o nosso herói é obrigado a revelar de quem era o apartamento no qual ela havia passado a tarde inteira. Agora, o protagonista é um técnico de televisão e em um dos momentos mais engraçados da obra, bate com o seu carro no do pai de Christine. O que estava prestes a ganhar contornos tensos, se transforma num bate papo informal.

Doinel e Christine têm muito a aprender e o filme termina numa nota otimista, com Truffaut admirando sua amada cidade. Ela pode até ter achado estranha a fala do desconhecido apaixonado, ele não. Doinel se reconhecia na efemeridade citada pelo sujeito; sua trajetória, até aqui, era uma coletânea de curtos episódios. Nada é permanente, tudo é provisório.

Truffaut nunca esteve tão descontraído e leve. Seu texto e sua direção vão ao encontro de uma sutileza meiga e distinta. O simples fato dele enquadrar o pequeno Doinel ao lado de seu par, uma mulher altíssima, provoca risos genuínos no espectador. Na sequência em que o protagonista admite ao seu chefe que esteve com Fabienne, Truffaut sai da sala, focando numa conversa casual entre duas amigas e no infarto fulminante de outro colega. Ao fundo, escutamos a gritaria do patrão, até que tudo se une num caos cômico e organizado.

Jean Pierre Léaud encarna Doinel com uma naturalidade assombrosa. Os trejeitos e a maneira de se expressar remetem ao garoto de “Os Incompreendidos”. A essência infantil está lá, se juntando ao carisma, ao romantismo e ao seu jeito destrambelhado de adentrar o universo adulto.

A cena em que ele, diante do espelho, repete o seu nome e os de Christine e Fabienne sintetiza a essência de um jovem lidando com suas emoções e com seu futuro.

“Beijos Proibidos” é uma delícia de filme.

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