Existem clássicos e filmes que deveriam ter um reconhecimento maior. Dirigido por Laís Bodanzky, responsável pelo também ótimo “Bicho De Sete Cabeças”, “As Melhores Coisas Do Mundo” têm um compromisso com o jovem, em expor seus reais desejos, angústias e dilemas. Enquanto assistia ao filme não pude deixar de notar que a maioria das minhas anotações eram sobre pequenos detalhes, situações simples do cotidiano. Essa é a maior qualidade do roteiro, afinal, este não é um filme de trama, mas de amadurecimento, uma fase específica da vida em que um turbilhão de coisas acontece e mexe com a sua cabeça.
Mano tem quinze anos. Ele vai até o puteiro com os amigos e decide que não irá transar. A virgindade é considerada algo relevante e o protagonista pergunta para o irmão sobre suas experiências. Mano ama uma garota. A idealização está em seu olhar e em como acontecimentos específicos têm diferentes significados para cada um. Talvez o sexo represente o início de um namoro, talvez apenas mais uma tarde de prazer, talvez nada. Ele aprende a tocar “Something”, dos Beatles, no violão e tenta impressioná-la, mas está nervoso demais. São momentos assim que engrandecem a obra, que fazem com que o espectador sinta que aqueles personagens estão andando por aí. A garota, que, supostamente havia se sentido especial, e que chorou quando foi humilhada, pode rir de você quando for a sua vez de sofrer. Os jovens são cruéis e insensíveis. Eles precisam pisar em cima dos outros para esconder as maiores inseguranças. Nem todos acham isso justo, e, nesse sentido, a escola se transforma em uma selva, onde o principal objetivo é sobreviver sem grandes arranhões. Claro, existe um lado bom também. O jovem sonha, tem ideias malucas e se contradiz, porque pode. Enquanto alguns tiram proveito de situações e acumulam experiências vazias, outros tentam, se arriscam e buscam alguma coisa diferente. Mano é assim, por isso sofre tanto. É interessante perceber que quanto mais o protagonista amadurece e passa por dificuldades, mais se afasta do melhor amigo, que, desde o princípio, demonstrava ser um garoto vazio, cujo principal orgulho é a lista de garotas com quem ficou. O desfecho é coerente, pois, assim como o protagonista, Carol era a única capaz de demonstrar sensibilidade para enxergar algo fora da casinha.
Na trama, o pai de Mano se separa de sua mãe e assume a homossexualidade. Talvez esse seja o principal ponto para o arco do personagem. Em nenhum momento ele consegue pensar sob a perspectiva do pai, olha apenas para si, preocupando-se com o possível bullying que sofrerá na escola. Mano compara a escolha do pai a uma maldição ou a uma loteria invertida. São raras as sequências em que os dois conversam civilizadamente. Não se trata de condenar a postura do filho; é um preconceito que vem do meio em que ele está inserido e surge, principalmente, pelo medo de ser rejeitado pelos demais. Ainda assim, a situação evolui.
Não que Mano termine o filme abraçando totalmente a corajosa escolha do pai – essa não é a intenção do roteiro -, no entanto, algo dentro dele mudou.
Sua relação com a mãe é trabalhada através de situações extremamente palpáveis, como quando ela entra no seu quarto em uma hora “inoportuna”, quando o busca em uma festa e demonstra preocupação com suas orientações sexuais ou quando ela percebe que seu instinto o feriu gravemente e começa a arremessar ovos na parede – um dos melhores momentos do filme.
Entretanto, a principal dinâmica é entre Mano e seu irmão, Pedro. Há muito carinho entre os dois. Mais novo, o protagonista o vê como um herói, não à toa toca violão. Mano o observa, escuta e faz perguntas íntimas, com um receio que denota respeito e admiração. Quando ele volta da escola depois de apanhar, Pedro não diz nada, sua reação é suficiente. A cena no hospital é bonita, assim como a sequência na piscina.
O principal defeito de Pedro é levar certas coisas a um perigoso nível de seriedade. Sua namorada é o amor da sua vida, sua dor é a maior possível e assim por diante. Sua solidão é fruto de uma melancólica e escura forma de enxergar a realidade. Sua personalidade condiz com a peça de teatro que está produzindo e, principalmente, com os textos que escreve, que claramente apontam para a depressão, negada pela família. Finalmente, o lúgubre hotel que o personagem utiliza como ponto de fuga reflete perfeitamente o seu estado de espírito.
Sobre a direção de Laís Bodanzky, diria que seu principal acerto é se colocar na perspectiva do protagonista, seja através de time lapse, para refletir o vazio do tempo; câmera lenta, para ressaltar o baque de uma notícia ou câmera na mão, para tornar o caminho até a garota dos sonhos o mais longo possível. Na escola, a diretora utiliza planos abertos para colocar o espectador o mais próximo possível daquela realidade e para salientar o estilo de vida dos jovens, presos aos seus celulares e câmeras.
O design de produção é preciso ao caracterizar os espaços, sendo o de Pedro caótico e sombrio e o do professor de violão, harmonioso, tomado por luz e elementos musicais. A montagem também é efetiva ao conferir não só fluidez, mas também elementos humorísticos, como na cena em que a mãe afirma saber onde e o que seu filho está fazendo naquele exato momento.
O elenco é excelente, todos os atores envolvidos oferecem interpretações consistentes, tanto os veteranos – Denise Fraga e Zé Carlos Machado -, quanto os estreantes – Francisco Miguez e Fiuk.
O fato de Clara terminar o filme dizendo que a segunda melhor coisa do mundo é ouvir Mano cantando “Something” não é apenas curioso, é fundamental para registrar o amadurecimento do protagonista.
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