Eu lembro perfeitamente a minha reação ao assistir “Primal Fear” pela primeira vez: fiquei em choque. Obviamente, não revelarei o final do filme, mas é, sem dúvida alguma, um dos mais impactantes da história do cinema.
A direção de Gregory Hoblit não é memorável e o roteiro aposta em subtramas que prejudicam o andamento da trama central. Porém, o elenco, os excelentes personagens e as boas reviravoltas – aí sim, bem executadas pelo roteiro – fazem de “Primal Fear” um grande filme de tribunal.
Martin Vail surge pela primeira vez através de seu reflexo em um espelho. Essa é uma das raras boas sacadas do diretor, que logo de cara expõe o narcisismo de seu protagonista. Ele é um advogado de defesa midiático, que aceita causas mirabolantes para obter dinheiro e fama. Sua maior satisfação no fim do mês é ver seu rosto na capa de uma revista importante. Cada julgamento é uma batalha de egos, em que Marty tem que manter seu status e reputação. Ele admite a arrogância, mas vai além e diz que defende possíveis criminosos, pois escolheu acreditar na bondade humana.
Seu novo caso envolve um coroinha da igreja católica, acusado de assassinar o Bispo. Está tudo sob medida, os holofotes estão em Marty, então ele se prepara.
Do outro lado, temos Janet Venable, que teve um breve caso com o protagonista e trabalha para John Shaughnessy – homem de caráter extremamente duvidoso.
O roteiro coloca Janet e Marty frente a frente, e de fato existe uma tensão sexual ali. Formalmente se odeiam, estão loucos para derrotar o outro, mas escondem um carinho considerável – mais nítido no protagonista, que não perde uma oportunidade para mostrar seu lado canastrão.
Já Shaughnessy, apesar da ótima atuação de John Mahoney, não acrescenta muito à trama, sendo apenas um corrupto perigoso.
O coroinha acusado se chama Aaron Stampler. Sua gagueira e condição física nos fazem no mínimo questionar sua posição. O cinema é um meio que trabalha como poucos a manipulação. O espectador é o observador e faz julgamentos de acordo com aquilo que enxerga e julga ser correto. A interpretação de Edward Norton é o ponto alto do filme e talvez de sua brilhante carreira. O ator nos oferece uma caracterização riquíssima, que vai desde sua fala rigorosamente pausada e a entonação que denota fragilidade, até a curvatura e os gestos com a cabeça – ainda mais significativos quando Aaron se sente atacado.
Essa composição é tão espetacular, que mesmo com inúmeras evidências, em nenhum momento achamos que ele seria capaz de assassinar um bispo.
A trama investigativa traz bons momentos de ação, contudo, o foco está na retórica meticulosamente preparada pelos advogados.
Marty se vê em uma gangorra de emoções, variando entre altos e baixos e mesmo acreditando em Aaron, não obtém nenhuma prova concreta.
Richard Gere vive o protagonista com muita facilidade. O ator utiliza todo seu charme para exalar confiança, egocentrismo e ganância. Está tudo em sua feição debochada, que esbanja superioridade e em nenhum momento (a não ser nos de isolamento) muda. Pode-se dizer que Gere está no piloto automático, mas de qualquer forma, ele casa perfeitamente com esse tipo de personagem e seus últimos cincos minutos permitem uma desconstrução simplesmente deliciosa de se assistir.
Frances McDormand faz uma pequena ponta como a psicóloga de Aaron, que percebe algo fundamental para o desenvolvimento da trama e para a caracterização de Edward Norton, que precisa dar vida a duas personalidades completamente distintas. Se Aaron era tímido e frágil; Roy é agressivo e intimidador. O ator vai de um extremo ao outro com uma naturalidade impressionante, ainda mais se consideramos que este foi o seu primeiro papel. Seu trabalho vocal e corporal é assombroso. Não darei mais detalhes sobre o desfecho, apenas que Marty não era tão inteligente quanto pensava.
Os diálogos nos tribunais são ótimos e deixam claro que além de suas causas, ambos estão lutando pela própria honra.
A montagem auxilia na continuidade da trama, que mesmo com alguns excessos, segue de forma coesa até o fim.
Se eu não me engano, este foi um dos primeiros filmes a denunciar abuso infantil dentro da igreja católica e isso é mérito do roteiro.
“Primal Fear” é um excelente thriller de tribunal, que discute importantes questões morais, elevado por uma performance extraordinária de Edward Norton e grandes reviravoltas.
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