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Paul Hackett é um programador de computadores. Sua vida é enfadonha e tediosa, tendo como principal característica a repetição. Após mais um dia deprimente, ele vai a um café e é abordado por Marcy, que demonstra interesse e, indiretamente, o convida para o loft de sua amiga no Soho.

Essa é a noite pela qual o protagonista estava esperando, a fuga da rotina e um pouco de diversão.

“After Hours”, assim como alguns filmes de Scorsese, não se baseia em uma trama, mas em situações.

Paul sai de casa com vinte dólares para pagar o táxi, mas o dinheiro voa pela janela. Quando chega no local, recebe uma chave que é jogada do último andar e Scorsese confere uma intensidade notável a esse simples movimento. Marcy não está, apenas Kiki, que faz esculturas com gesso.

Não era bem o que o protagonista tinha em mente e o plano-detalhe de uma pomada para queimaduras seguido de um close up nos leva a acreditar que ele não está muito confortável. Marcy se prepara para tomar um banho e dá uma leve piscada, que seria sensual se Scorsese não utilizasse um rápido travelling em sua direção. Algo está errado, não é possível que Paul tenha atravessado a ilha de Manhattan à toa. O telefone toca, ela não se move e o cineasta aposta novamente em um travelling – agora bem lento -, reforçando que a jornada de Paul não será tão prazerosa quanto imaginava.

Marcy conta histórias bizarras sobre os seus relacionamentos – incluindo até “O Mágico De Oz” – e o protagonista dá o seu jeito de fugir do apartamento.

A presença marcante do vermelho denota, a princípio, desejo sexual, todavia, rapidamente assume a conotação de perigo. A fumaça é um aviso – não era para Paul estar ali.

Ele corre até o metrô e descobre que o preço do ticket aumenta após a meia-noite. A chuva é torrencial e o protagonista para em um bar, onde é paquerado por uma garçonete carente e insegura que detesta seu emprego. O chefe dela é a grande esperança de Paul. Entendendo sua situação, ele decide lhe dar o dinheiro, mas o caixa está fechado, então empresta sua chave de casa. Até mesmo quando um personagem é caridoso e as coisas parecem caminhar, há algum detalhe que nos deixa receosos, no caso, a caveira no chaveiro. A direção de arte é magistral. A casa da garçonete é repleta de ratoeiras e, claro, o rato da história, prestes a ser “capturado”, é o protagonista. O segundo espelho em que ele se observa é consideravelmente menor do que o primeiro, o que evidencia sua gradual ansiedade e o fato de estar sem saída. O fragmento do jornal que fica colado em suas costas descreve um crime terrível envolvendo um sujeito sem identidade. Uma forma inteligente de potencializar sua angústia e medo.

Sim, “After Hours” é sobre um homem que não consegue voltar para casa. A premissa é simples, mas é a condução de Scorsese que o torna instigante. Sua câmera raramente fica estática, responsável por criar uma atmosfera inquietante a partir de movimentos que despertam estranhamento no espectador. A montagem também é primordial para esse dinamismo, dando fluidez às cenas, optando por transições elegantes e significativas. Quando Paul desliga o telefone, já está acenando para um táxi na rua – vontade de viver – e ao folhear um livro sobre queimaduras severas, os cortes se tornam mais intensos, enfatizando o horror que sente ao ver as imagens. Sensação essa que é exposta na cena em que o protagonista “enxerga” uma enorme cicatriz na perna de Marcy. Assim como alguns ruídos, isso é uma projeção de sua mente assustada, afinal, quando volta ao loft e encontra a moça morta após ter cometido suicídio, sua perna está intacta. A trilha sonora é eficiente e conversa com a atmosfera idealizada por Scorsese.

A situação ganha contrastes cada vez mais sombrios. As casas da região têm sido arrombadas e Paul é tido por uma patrulha de vigilantes, composta pelos personagens que cruzam o seu caminho, como o bandido. Além de tentar voltar para casa, ele precisa correr de um grupo enfurecido, adentrando, então, os ambientes mais bizarros, como, por exemplo, uma boate punk. As ruas completamente vazias, ocupadas somente pelo protagonista, elevam a aura sinistra e “onírica” – pesadelo.

Paul se ajoelha e Scorsese utiliza um plongée para salientar seu “diálogo” com Deus. Seria a sua fuga do cotidiano pacato e previsível digna de punições? Estaria ele preso àquele ambiente dominado por mesas apertadas e funções robotizadas? A direção de arte realça sua condição através das grades do edifício, que remetem a uma prisão. Os ângulos baixos escolhidos por Scorsese na introdução ressaltam a claustrofobia, a impessoalidade e a mediocridade de seu trabalho.

Como um bom nova-iorquino, acredito que o diretor também brinque um pouco com a tumultuada e imprevisível vida noturna da cidade. Manhattan tem suas próprias regras e Scorsese as eleva a vigésima potência.

Em sua trajetória circular e enlouquecedora, Griffin Dunne oferece uma performance espetacular, calcada na genuinidade. Suas reações e sentimentos mais extremos são gradativos, aparecem de acordo com os acontecimentos. Dunne transmite uma humanidade tão palpável, que nos faz rir. Essa mistura é preciosa e Scorsese mescla perfeitamente os tons, sem nunca perder a mão.

O elenco inteiro é excelente e a coleção de coadjuvantes não poderia ser mais singular e inusitada.

Dono de um dos melhores finais da história da sétima arte, “After Hours” é uma “pequena” obra prima na filmografia de um gênio.

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